sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A INQUISIÇÃO CRUZA O OCEANO



Museu da Inquisição - Lima - Peru


Sala do Tribunal - Museu da Inquisição - Lima - Peru


Os conquistadores espanhóis, apesar de pertencerem à Idade Moderna, estavam imbuídos das categorias medievais, como a preocupação com a alma e o fanatismo religioso, o espírito de aventura e sua tendência a realizar-se em horizontes estranhos e embora tenham vindo para a América em busca de ouro, ambição do homem moderno, não deixaram de lado a ortodoxia escolástica. Esses homens que cruzaram o Atlântico trouxeram em seu imaginário medos, crenças, bruxos e demônios com os quais povoaram o Novo Mundo. Corroborando as idéias de Jacques Le Goff (1994) e de Cornelius Castoriadis (1982) podemos afirmar que o imaginário não pode ser examinado como algo estático, visto que se origina de imagens verbais, mentais e visuais que são socialmente construídas. O imaginário está atrelado ao universo social e político e por isso, em nossa análise de processos inquisitoriais e de idolatrias provenientes do Arcebispado de Lima pudemos perceber como as crenças demoníacas e as práticas mágicas estavam, não só relacionadas com a necessidade de interpretar o mundo sobrenatural, mas também representaram o modo de mostrar insatisfação com o sistema colonial por parte dos grupos populares e as tensões sociais do cotidiano, onde Estado e Igreja precisavam manter seu poder e a coesão da sociedade. Essas manifestações faziam parte de um aparato cognitivo simbólico há muito difundido. Vários escritores se dedicaram a elaborar obras que explicassem a presença do mal personificado em figuras demoníacas, necessariamente acompanhadas de bruxos e bruxas, fiéis seguidores das artes maléficas. Entre eles, podemos destacar os dominicanos Heinrich Kramer e Jakob Sprenger (1487), que escreveram um manual para identificar e castigar bruxas, que contavam com o auxílio do Demônio e a permissão divina para realizar seus malefícios. Assim, o medo das forças diabólicas foi transposto para a América pelos espanhóis quinhentistas, que tinham familiaridade com o sobrenatural, o desconhecido e temido mundo das trevas e seus personagens fantásticos. Nesse contexto cristalizou-se a idéia de bruxaria, que tinha a participação de magos, feiticeiros e bruxos conspirando contra os cristãos e, por isso, a prática de magia, adivinhação e curandeirismo foi sendo associada a heresia pelos religiosos e isso se consolidou no imaginário europeu.




Figura de Francesco Maria Guazzu

O medo do desconhecido, do mar e dos monstros marinhos acompanhou esses homens que cruzaram o oceano (DELUMEAU, 1989), que traziam também a obrigação de propagar a fé católica e perseguir aqueles que conspirassem contra a cristandade. Chegando à América, não hesitaram em matar, saquear e conquistar, material e espiritualmente, os povos aqui encontrados.
Para que o domínio fosse completo, esses homens preocuparam-se em compreender os signos do “outro”, a linguagem, costumes e tudo mais que pudesse proporcionar poder e sucesso em suas investidas de conquista (TODOROV, 1988). Assim, apareceram as primeiras descrições da sociedade andina, seus grupos étnicos, formas de subsistência, religiosidade, esta última, equiparada aos modelos demonológicos europeus. Os responsáveis pelo espaço sagrado desses povos foram transformados em bruxos e feiticeiros (SOUZA, 1993, p.28), como poderemos comprovar na descrição do cronista Polo de Ondegardo:

Otro gênero de hechizeros auía entre los Índios, permitidos por los Ingás en cierta manera, que son como brujos. Que toman la figura que quieren y van por el ayre en breue tiempo, mucho camino; y ven lo que passa, hablan con el demonio, el qual les responde en ciertas piedras, ó en otras cosas que ellos veneran mucho (1571, p.29).

Percebe-se que os elementos simbólicos familiares aos europeus foram utilizados para interpretar as crenças nativas e por isso, bruxos voavam e davam sinais de lealdade ao demônio.
Iniciou-se a partir do século XVI no vice-reinado do Peru a onda persecutória contra a bruxaria e manifestações malignas que deveriam ser suprimidas, atingindo todo aquele que atentasse contra a cristandade, fosse protestante, cristão-velho ou novo, ou até mesmo indígena neófito na fé cristã. Muito embora a partir da Real Cédula de 1571 de Felipe II, os índios não pudessem ser processados pela Inquisição, mesmo assim, foram perseguidos e ficaram sobre a alçada das autoridades civis ou episcopais. Para esse fim, foram criadas as campanhas de extirpação de idolatrias, que tinham por objetivo terminar com todos os ídolos e rituais indígenas, visto que estes contradiziam o cristianismo, ao adorarem criaturas no lugar do Criador, o Deus cristão (DUVIOLS, 1986, p.XXVII). Isso simbolizou a tentativa de cristianizar o imaginário indígena, em que seus deuses foram transformados em demônios (GRUZINSKI, 1991). Seguindo o modelo demonológico da Inquisição européia, perseguiram-se também aqueles que praticavam malefícios, sendo acusados de bruxaria. A demonização dos deuses andinos foi a forma que os sacerdotes encontraram para interpretar o desconhecido e fazer com que os indígenas se afastassem dessas crenças, incutindo neles noções, como a do pecado. Nos documentos dos séculos XVI, XVII e XVIII, aparecem as representações desse mundo multifacetado, em que figuras do bem foram convertidas em seres diabólicos, indivíduos que conheciam o efeito medicinal das ervas, eram tidos por feiticeiros e sacerdotes foram convertidos em bruxos.
Os grandes extirpadores de idolatrias, Francisco de Ávila (1598?), Hernando de Avendaño (1617) e Jose de Arriaga (1621), foram os que mais propagaram esse discurso demonológico nos Andes. Seus discursos influenciaram cronistas indígenas, como Garcilaso de la Vega (1609), Guaman Poma de Ayala (1615) e, sobretudo, Joan de Santa Cruz Pachacuti (1613), visto que sua Relación pode ser definida como um instrumento de conquista espiritual do passado, ou seja, de conquista e colonização do passado andino. Seu discurso reflete uma visão que rejeita seu passado cultural e mental em troca de um passado importado (DUVIOLS, 1992, p.93).
A Inquisição se instalou no Novo Mundo com a finalidade de coibir o judaísmo ou qualquer heresia que pudesse afastar espanhóis e europeus do cristianismo, mas quando os religiosos se depararam com as religiões nativas e na impossibilidade de utilizar o Tribunal do Santo Ofício para coibir tais “idolatrias”, lançaram mão da Visita de Idolatria, que nada mais era que uma instituição análoga e paralela à Inquisição, que tomou baixo à sua jurisdição o caso dos índios idólatras (QUEREJAZU LEWIS, 1995, p.49).
Por tudo isso, percebemos que as concepções de bruxaria e demonologia europeias foram transladadas à América espanhola, mesmo sabendo que na Espanha a Inquisição deu pouca importância ao aspecto demonológico e foi relativamente branda em relação à perseguição da bruxaria e outros delitos mágicos, devido ao ceticismo dos inquisidores em relação à bruxaria, que era vista como mera superstição (HENNINGSEN, 1994) e também à intolerância religiosa em relação aos judeus (TREVOR-ROPER, 1981). Aqui na América a bruxaria associada ao pacto demoníaco passou a fazer parte do imaginário e foi utilizada como forma de expressar os atritos sociais existentes no cotidiano da sociedade colonial do vice-reinado do Peru, o que pode ser vislumbrado em processos contra indivíduos acusados de serem feiticeiros e/ou de terem algum pacto com o demônio pelo tribunal inquisitorial ou, no caso dos indígenas, pelos mecanismos judiciais da “extirpação de idolatrias” na região do Arcebispado de Lima entre os séculos XVI e XVIII.


Llulla layqha, umu, hechiceros y brujos mentirosos - Gumana Poma de Ayala



Pontífices, walla wisa, layqha, umu, hechicero - Guaman Poma de Ayala


O Tribunal do Santo Ofício de Lima se dedicou à perseguição dos praticantes das artes mágicas e entre os muitos casos, podemos citar o de Ana Castañeda, reincidente, penitenciada nos autos de 1592 e 1612, pois foi condenada a primeira vez por usar feitiços e invocar os demônios com misturas de coisas sagradas e profanas[1] e, na segunda vez, pela acusação novamente de pacto demoníaco e de continuar a praticar a arte da magia e tendo admitido todas as acusações, recebeu 200 açoites e foi desterrada perpetuamente do distrito da Inquisição[2]. Também a mulata Ana de Almansa, denunciada por diversas testemunhas em 1629, foi acusada de praticar conjuros e de possuir pacto com o demônio, pois tinha fama de ser maga, quiromante e supersticiosa. Reconheceu seus delitos, mas não o pacto demoníaco. Saiu no auto de fé em 1631 e recebeu a condenação de 100 açoites e dez anos de desterro[3]. Em 1762, Lorenza Vilchez foi acusada de ter pacto com o demônio. O processo tratou-se de uma longa relação de testemunhos, em que mestiços, índios e brancos, afirmaram que ela era adivinha e não bruxa, porque tinha a capacidade de encontrar coisas desaparecidas e também de descobrir feitiços e desmanchá-los. Porém, essa mulher que já tinha cinquenta anos, confessou sua total ignorância sobre a doutrina cristã e que mantinha relações com o demônio, pois este lhe aparecia sempre como um homem gentil. Os inquisidores sempre relacionaram as mulheres ao encanto da bruxaria e depois que ela confessou o pacto expresso com o demônio, eles pediram a Lorenza que abjurasse e a reconciliaram[4].
Esses processos nos permitem perceber a crença nas práticas mágicas nessa sociedade colonial, inclusive com a participação do demônio. Mulheres e homens tidos por feiticeiros eram procurados para resolver problemas de saúde, achar objetos perdidos, para realizar vinganças pessoais e, sobretudo, para atrair o sexo oposto (ESTENSSORO FUCHS, 1997, p.418).
Já no caso da Extirpação de Idolatrias, o pacto com o Diabo tinha um papel relativamente restrito. Segundo  Nicholas Griffiths, em vários processos de práticas mágicas aparece a acusação de pacto satânico, porém isso se deu devido à existência de desvio religioso no universo de Deus, o que fazia necessária uma explicação abstrata para dissipar o incômodo filosófico que essas atividades provocavam. As intrigas do Diabo eram uma boa desculpa para as imperfeições daqueles que já não podiam alegar ignorância da verdadeira fé. Mas, as teorias demonológicas estavam confinadas ao campo da especulação e não se pretendia que fossem um guia para a realidade concreta dos índios. De qualquer forma, serviam ao propósito de aterrorizar o acusado que se recusasse a cooperar com os pesquisadores e continuasse a insistir na realidade de seus poderes. Na cosmovisão espanhola somente uma explicação podia justificar esses poderes reais: o pacto com o demônio e as consequências disso eram terríveis. Parecia mais razoável considerar tais práticas nativas como meros enganos, especialmente quando os indígenas eram vistos pelos extirpadores como tontos e incompetentes (1998, p.165).
Para exemplificar esse tipo de conduta, podemos citar o processo de 1662 de Pedro Guamboy, que foi forçado pelo visitador Juan Sarmiento de Vivero a confessar que havia sido enganado pelo Diabo e de que sua prática curativa era feitiçaria. Guamboy afirmou ter visto o Diabo diversas vezes e tinha convicção em seus poderes mágicos de tirar a vida de pessoas e também de conseguir que homens e mulheres se casassem graças ao uso de ervas que ele conhecia. Acabou condenado por acreditar nesses devaneios e não pelo pacto com o demônio. María Inés, que foi acusada no mesmo processo, também foi chamada a atenção pelo fato de fazer com que outras pessoas acreditassem em seus poderes de adivinha e de fazer o mal por meios ocultos[5]. Também o índio Domingo Guaman Iauri foi acusado em 1662 pelo mesmo visitador de idolatrias de ser “bruxo”, pois usava ervas, pós, gordura de lhama, coca, entre outras coisas, visto que como “indio incapas el Demônio” o fez cair em semelhantes erros[6]. Isso demonstra o ceticismo de alguns extirpadores em relação às crenças demoníacas dos indígenas, o que não significa que todos tenham agido dessa forma. Houve religiosos que realmente acreditaram na ação do Inimigo, como no caso do processo de 1665 contra Maria Sania, índia natural do povoado de Santo Domingo de Cochalaraos, em que esta foi acusada de pacto tácito com o Diabo porque seus poderes de adivinha ultrapassavam os limites humanos[7]. Também foram comuns os processos de feitiçaria contra curandeiros, herbolários, parteiras, cujo motivo não estava relacionado com as práticas em si, mas com o costume que tinham os índios de fazer oferendas a pedras, aos espíritos das montanhas ou de consultar as deidades nativas, como foi o caso de Diego Pacha[8], Francisca Mayguay[9], entre outros.
Muitas foram as causas para a perseguição de bruxos e bruxas no Arcebispado de Lima no período colonial. Entre elas, temos o fato de que a sociedade via os feiticeiros como aqueles que conseguiam através de suas técnicas ocultas remediar situações que escapavam ao controle das pessoas comuns. Os feiticeiros cientes de seu poder exploravam essa situação a seu favor. A forma encontrada para combater esse poder foi através da Inquisição e dos tribunais ordinários com o resgate das artes maléficas associadas ao pacto diabólico, insuflado pelo espírito da Contra-Reforma. Era necessário minimizar essa transgressão aos cânones da ortodoxia, que também simbolizava perigo à solidez do Estado. Podemos afirmar que essa foi uma solução para algumas tensões existentes na sociedade, usando para isso o imaginário coletivo de medo do diabo e dos bruxos para, entre outras coisas, desviar a atenção das falhas da Igreja e do Estado.


Nos processos inquisitoriais é possível descortinarmos crendices, medos, o pouco conhecimento existente sobre medicina, o temor ao sobrenatural e também o caráter conspiratório de tais acusações, visto que grande parte dos réus pertencia a grupos mais pobres e as motivações para tais processos, por vezes, tinham relação com questões políticas ou econômicas.
No caso dos indígenas, o combate às idolatrias passou necessariamente pela dificuldade em lidar com uma cultura tão diferente e desconhecida para o espanhol. Com o passar do tempo, percebe-se que a tônica não estava mais ligada às dificuldades do processo de alteridade, e sim, aos interesses econômicos e políticos de certos visitadores e até mesmo de autoridades étnicas. Após sofrerem com a repressão cultural, indígenas se apropriaram desses mecanismos de controle à disposição dos setores dominantes da sociedade colonial e passaram a fazer uso deles para alcançarem seus próprios objetivos. Foram inúmeros os casos de visitas de idolatrias ocorridas após a denúncia por parte de grupos étnicos com relação aos abusos cometidos pelos religiosos (ACOSTA, 1982). Muitos sacerdotes se apropriavam de produtos indígenas sem pagá-los[10] ou exploravam em damasia sua força de trabalho[11] e quando os indígenas os processavam, por vezes, iniciava-se uma visita de idolatrias na região à qual pertencia o grupo acusador.
Por outro lado, há vários processos orquestrados por curacas (chefes locais) para alcançarem seus próprios objetivos, como por exemplo, disputas por poder local contra outros curacas ou até mesmo contra encomenderos. Nesse caso, a presença ou cumplicidade de um extirpador de idolatrias podia ser o pretexto para iniciar uma denúncia por bruxaria (PUENTE LUNA, 2007, p.20).
Toda essa preocupação dos espanhóis em controlar as superstições e extirpar as heresias está atrelada ao medo do desconhecido e, sobretudo, porque para eles o encontro com outras culturas foi bastante inquietante. Como afirmou Gustav Henningsen, a crença nas bruxas é uma espécie de mitificação dos grupos socialmente marginalizados (1983, p.349) e a comprovação disso encontramos nos processos inquisitoriais e de idolatrias que analisamos que em geral tratam de acusações contra brancos pobres, mestiços, negros, índios, que são “intermediários culturais” (VOVELLE, 1991, p. 207-224), pois transitam entre diversos mundos, na fronteira entre a cultura popular e de elite. Normalmente os acusados de bruxaria eram feiticeiros, curandeiros, envenenadores ou aqueles que de alguma forma violassem as convenções sociais e que por isso, deveriam ser castigados numa tentativa de fazê-los retornar à ordem social. Todos eles partilhavam o mesmo discurso, a mesma prática harmonizadora das agruras coloniais e eram os responsáveis por interpretar os sinais do além, fossem eles positivos ou negativos para o mundo dos vivos. Esse homo magus era “capaz de compreender, penetrar e inflectir o complicado jogo de forças ocultas que se faz sentir tanto no nível horizontal (entre os homens) como no vertical (entre os homens e o universo)”(BETHENCOURT, 2004, p.163). Por outro lado, houve várias acusações de bruxaria ou de pacto demoníaco que estavam atreladas a disputas políticas ou econômicas, a desventuras humanas, como doenças, morte, problemas climáticos, a confrontos entre religiosos, entre outros, e muitas vezes os acusadores “vítimas dos ardis mágicos ou demoníacos” que encontramos nos processos, eram em realidade os agressores iniciais. Não é coincidência de que na maioria dos processos as ações mágicas partam dos grupos populares contra a elite, o que demonstra ser possível detectar no âmbito desses processos as tensões sociais do cotidiano colonial.



O trabalho aqui apresentado é uma aproximação a esse cotidiano no Arcebispado de Lima, procurando perceber comportamentos comuns, imaginários entrelaçados e rusgas sociais que no desenrolar dos séculos foram se transformando, resistindo, atenuando, adaptando e o somatório dessa interseção cultural nos permite compreender as características dessa sociedade colonial rica em crenças, medos e percepções de alteridade oriundas de dois mundos.
Podemos afirmar que a ação inquisitorial e as campanhas de extirpação de idolatrias não foram suficientes para destruir tais costumes, pois a lógica mental colonial se formou nessa mescla de crenças e se adaptou fazendo uso dos variados elementos culturais para recriar seu próprio imaginário religioso. Prova disso, é o prosseguimento até os dias atuais da crença nos bruxos, no curandeirismo e no culto a deuses ligados à agricultura e pecuária, que nada mais é do que o resultado dessa confluência cultural entre europeus, africanos e ameríndios. 

MANUSCRITOS
ARQUIVO ARCEBISPAL DE LIMA (AAL)
Hechicerías e Idolatrias
AAL, Idolatrias, leg.III, exp.14, , 1660.
AAL, Idolatrias, leg.IV, exp.5, 1662.
AAL, Idolatrias, Leg. IV, exp.8, 1662.
AAL, Idolatrias, leg.IV, exp.24, 1662.
AAL, Idolatrias, leg.V, exp.11, 1665.
Capítulos
AAL, Capítulos, leg.I, exp.9, 1607.
AAL, Capítulos, leg.II, 1610
AAL, Capítulos, leg.III, 1617.
AAL, Capítulos, leg.IV, 1622.
ARQUIVO HISTÓRICO NACIONAL (AHN) - Madri
AHN, Inquisición, lib.1028.
AHN, Inquisición, lib.1029.
AHN, Inquisición, lib.1030.
AHN, Inquisición, leg.1656, exp.4., 1762.
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS (AGI) - Sevilha
AGI, Lima, leg.301, 1612.


FONTES IMPRESSAS
ARRIAGA, P. José de. Extirpación de la idolatría del Pirú. In: BARBA, Francisco Esteve. Cronicas peruanas de interes indigena. Madrid: BAE, 1968.
AVENDAÑO, Hernando de. Relación de las idolatrías de los indios. In: DUVIOLS, Pierre. Cultura andina y represion: procesos y visitas de idolatrías y hechicerías. Cajatambo, siglo XVII. Cuzco, Centro de Estudios Rurales Andinos, 1989 [1617].
ÁVILA, Francisco de. Ritos y tradiciones de Huarochiri. Manuscrito quechua de comienzos del siglo XVII. Trad. Gerald Taylor. Lima, IEP/IFEA, 1987 [1598?].
GARCILASO DE LA VEGA, Inca. Comentarios Reales de los Incas. Lima, Fondo de Cultura Económico, 1991 [1609], 2t.
GUAMAN POMA DE AYALA, Felipe. Nueva coronica y buen gobierno. Lima, Fondo de Cultura Económico, 1993, [1615], 3 t.
PACHACUTI YAMQUI SALCAMAYGUA, Joan de Santa Cruz. Relacion de antiguedades deste reyno del Piru; Estudio etnohistórico y lingüístico de Pierre Duviols y César Itier. Cusco, IFEA/CBC, 1993 [1613].
POLO DE ONDEGARDO, Juan. Informaciones acerca de la religión e gobierno de los incas. Seguidas de las Instrucciones de los Concilios de Lima. Por: URTEAGA, Horacio H. CLDRHP. Lima, Imprenta y Librería San Marti, 1916 [1571], t.III, p.29.
KRAMER, Heinrich, SPRENGER, Jakob. Malleus Maleficarum. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos, 2001 [1487].

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACOSTA RODRÍGUEZ, Antonio. Los doctrineros y la extirpación de la religión indígena en el arzobispado, 1600-1620. JBLA, v.19, p.69-109, Köln, 1982.
BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia: Feiticeiras, Adivinhos e Curandeiros em Portugal no século XVI. São Paulo, Companhia das Letras, 2004.
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente; 1300-1800 uma cidade sitiada. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
DUVIOLS, Pierre. Cultura andina y represion; procesos y hechícerias. Cajatambo, siglo XVII. Cusco, centro de estudios rurales andinos “bartolomé de las casas” , 1986.
ESTENSSORO FUCHS, Juan Carlos. La construcción de un más allá colonial: hechiceros en Lima (1630-1710). In: ARES, Berta, GRUZINSKI, Serge (Coords.). Entre dos mundos: fronteras culturales y agentes mediadores. Sevilla, CSIC/EEHA, 1997.
GRIFFITHS, Nicholas. La cruz y la serpiente: La represión y el resurgimiento religioso en el Perú colonial. Lima, Fondo Editorial de la Pontifícia Universidad Católica del Perú, 1998.
GRUZINSKI, Serge. La colonización de lo imaginario; sociedades indígenas y occidentalización en el México español. Siglos XVI-XVIII. México, Fondo de Cultura Económica, 1991.
HENNIGSEN, Gustav. El abogado de las brujas. Brujería vasca e Inquisición española. Madrid, Alianza, 1983.
_____. La evangelización negra; difusión de la magia europea por la América colonial. Revista de la Inquisición, nº3, Madrid, 1994, p.11-12.
LE GOFF, Jacques. O imaginário medieval. Lisboa, Estampa, 1994.
PUENTE LUNA, José Carlos de la. Los curacas hechiceros de Jauja; batallas mágicas y legales en el Perú colonial. Lima, Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Católica del Perú, 2007.
QUEREJAZU LEWIS, Roy. La extirpacion de idolatrias en Charcas (Bolivia). Sequilao. n.8, año IV, p.43-59, Lima, 1995.
SOUZA, Laura de Mello. Inferno Atlântico; demonologia e colonização - Séculos XVI-XVIII. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.
TODOROV, T. A conquista da América; a questão do outro. 2.ed. São Paulo, Martins Fontes, 1988.
TREVOR-ROPER, H. R. A obsessão das bruxas na Europa dos séculos XVI e XVII. In:______.  Religião, reforma e transformação social. Lisboa, Editorial Presença/Martins Fontes, 1981.
VOVELLE, Michel. Ideologias e mentalidades. 2.ed. São Paulo, Brasiliense, 1991.


[1] AHN, Inquisición, lib.1028, f.231-233.
[2] AHN, Inquisición, lib.1029, f.499-507.
[3] AHN, Inquisición, lib.1030, f.369-373.
[4] AHN, Inquisición, leg.1656, exp.4.
[5] AAL, Idolatrias, leg.IV, exp.5, f.10-13v e 57-58v.
[6] AAL, Idolatrias, leg.IV, exp.8, f.1.
[7] AAL, Idolatrias, leg.V, exp.11, f.12-16v.
[8] AAL, Idolatrias, leg.IV, exp.24, f.1v.
[9] AAL, Idolatrias, leg.III, exp.14, f.4.
[10] Exemplos: Processo contra Francisco de Ávila, AAL, Capítulos, leg.I, exp.9, 1607; Processo contra Luis de Mora y Aquilar, AAL, Capítulos, leg.III, 1617; Informação promovida por Bartolomé Lobo Guerrero “acerca de la costumbre que tienen de entrometerse en las jurisdicciones eclesiásticas” os religiosos doutrinadores, AGI, Lima, leg.301, 1612.
[11] Processo contra Diego de Alvarado, AAL, Capítulos, leg.II, 1610; Processo contra Luis Antonio Luis López, AAL, Capítulos, leg.IV, 1622.

OBS: Este artigo está publicado em:
PORTUGAL, Ana Raquel . A INQUISIÇÃO CRUZA O OCEANO. Caminhos da História (UNIMONTES), v. 14.1, p. 103-114, 2009.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

REVIVENDO TEMPOS INCAICOS




Os diversos documentos que tratam do processo de descobrimento, exploração, conquista e colonização do Novo Mundo são conhecidos pela denominação de Crônicas das Índias e existem três tipos de texto: cartas relatórios, relações geográficas e crônicas[1].
As crônicas possuem uma dimensão literária e também ideológica e são reflexo do pensamento renascentista, mesclado a traços medievais em que os cronistas tentam assimilar mentalmente a realidade do Novo Mundo[2]. As expedições marítimas, que foram em sua grande maioria, financiadas pelo setor privado, foram responsáveis também pela produção de milhares de documentos. Grande parte das crônicas foi gerada como uma obrigação, visto que o capitão da expedição tinha que descrever para o rei suas atividades e como eram as novas terras descobertas.
Havia outros motivos para a preparação desse tipo de documentação. Poderiam ser gerados documentos pela vontade própria de entender e dar a conhecer esse Novo Mundo, bem como, com o intuito de mudar a situação pessoal, se defendendo de algum processo judicial ou mostrando seus feitos na esperança de conseguir méritos da coroa[3].
Dentre esses documentos, havia aqueles de ordem etnográfica, que foram produzidos por cronistas que dominavam uma ou várias línguas indígenas, como por exemplo, Toríbio Motolínia[4], Bernardino de Sahagún[5], Diego de Landa[6], Cristóbal de Molina, el cuzqueño[7], Juan de Betanzos[8] e outros. Estes foram os fundadores da etnografia e entenderam a dupla tragédia, militar e cultural vivida pelos indígenas e os ajudaram com seus escritos a preservar a memória autóctone.
Quando se fala em invenção da América,  esta representou a necessidade de forjar uma nova realidade social e cultural nesse Novo Mundo, mundo, não continente nem terra. A América aparecia como o lugar onde tudo podia ser modificado em oposição ao velho mundo. Isso originou idéias como as propagadas na obra Utopia de Thomas More[9], que é um exemplo do pensamento humanista. A Utopia era o local onde imperava o espírito de justiça social, a tolerância religiosa, a educação racional e não violenta, o cultivo das virtudes cidadãs e instituições democráticas e o repúdio à violência e às guerras.
Apesar da influência do humanismo nessa época, poucos eram os cronistas das Índias que sabiam latim, algo essencial a um verdadeiro humanista. Suas preocupações eram de ordem material e de sobrevivência e raros foram os que mostraram em seus escritos ecos utópicos.
Algo sempre presente nas crônicas e que reflete a tentativa de compreensão do outro, é o processo de alteridade. Todorov, pesquisador búlgaro, procura mostrar em sua obra que os espanhóis descobriram, conquistaram e depois procuraram conhecer para poder dominar. Cortez foi um dos que mais buscou informações sobre o povo que ele almejava subjugar política e economicamente. Já Las Casas tratou de compreender os povos indígenas para poder assimilá-los culturalmente[10].
Os cronistas possuíam diversos fins, mas todos descreveram e propagaram dados sobre o Novo Mundo, numa tentativa de integração intelectual desse mundo à mentalidade ocidental. Poucos realmente são os que chegam a entender o mundo indígena, pois para tal, era necessário conhecer a língua desses povos.
A maioria dos cronistas eram homens de poucas letras, havendo inclusive, grandes conquistadores que eram analfabetos, como é o caso de Francisco Pizarro e Diego de Almagro. No entanto, os cronistas liam muito ou pelo menos aquilo a que tinham acesso na América e tentavam fazer o melhor que podiam em suas obras. Apesar de terem motivos variados para realizar suas obras, todos tinham consciência que a historiografia requeria retórica[11], ou seja, que os livros de história deveriam ser redigidos em linguagem culta, elegante e respeitar a verdade dos fatos.
As Crônicas das Índias são um testemunho vivo do encontro/desencontro da cultura européia, neste caso, a espanhola, com as culturas indígenas que habitavam o Novo Mundo. Quando nos referimos ao encontro desses mundos diferentes e que mudaram o curso de suas histórias devido a essa aproximação cultural, não podemos deixar de mencionar as tendências que constituíram o processo de aculturação, bem como, os resultados desse cruzamento cultural ocorrido no início do século XVI. Percebemos que além da queda e desestruturação do Império dos Incas, a conquista espanhola significou o despojo de seus meios de produção e a impossibilidade de voltar a organizá-los ao seu modo. Significou também a desarticulação das estruturas e houve a aculturação religiosa ou sincretismo, visto que esses povos eram muito religiosos e viam no aparato eclesiástico europeu grande similitude com o deles próprios. Houve a desarticulação da organização social andina, que podemos exemplificar com nosso objeto de estudo, o ayllu.
Os espanhóis ao descreverem o mundo andino, tinham uma visão etnocêntrica, pois tinham valores e juízos pré-estabelecidos, dessa forma era difícil captar o caráter social das instituições andinas. Não é de se estranhar, que a princípio não tenham entendido o significado do ayllu, enquanto estrutura de parentesco. O povo andino, por sua vez, passa a integrar-se ao mecanismo da aculturação, entendido aqui como um processo de adaptações e resistência.
Segundo os historiadores Clarke Simon e Nicholas Cooper que estudaram áreas conquistadas pelos romanos, o processo vivido pelos grupos autóctones foi de continuidade do que havia sido desenvolvido no período pré-romano e quando da chegada dos romanos houve a adoção e adaptação de seus traços culturais dentro da cultura nativa[12]. O mesmo aconteceu em relação aos grupos étnicos andinos, que viveram um processo de interação recíproca com os europeus.
Quando examinamos contatos entre culturas diferentes, percebemos que o mais usual é que ocorra uma fusão cultural em que é freqüente o predomínio de uma cultura sobre a outra, depois de um processo sempre complicado em que a recepção de elementos culturais implica seleção de uns, o repúdio a outros e ainda a modificação dos demais. O resultado é uma mescla sempre complexa e às vezes difícil de interpretar. Ocorrem também fenômenos de resistência, que podem ser de cunho seletivo em relação a determinados elementos culturais ou de resistência total[13]. O que podemos perceber é que se faz necessário entender de que modo os grupos étnicos andinos modificaram seus valores e tradições frente aos ocidentais. Através da análise das crônicas podemos interpretar as transformações ocorridas durante o período colonial desde a conquista do Tahuantinsuyu.
Esses textos são resultantes do processo de alteridade vivido entre culturas distintas e por isso, representam as práticas culturais do século XVI em que os grupos étnicos andinos foram forçados a alterar seu modo de vida diante do novo, o que não significa que se subjugaram aos espanhóis. Quando mencionamos que os cronistas indígenas possuíam um discurso aculturado, temos em mente a representação discursiva de seu mundo de acordo com suas necessidades de sobrevivência[14]. Prova disso, são as crônicas de Titu Cusi, Guaman Poma de Ayala e Garcilaso de la Vega que alertam para os danos causados pelos conquistadores espanhóis manipulando o discurso de modo a alcançar seus interesses, que podiam ser pessoais ou coletivos. A colaboração com os europeus, por vezes, significou uma forma de resistência sem o uso da violência.
Conforme Serge Gruzinski demonstrou, as mudanças culturais ocorridas nesse período propiciaram possibilidades de reorganização dos grupos indígenas diante do vazio provocado pelo sistema colonial[15].
Percebemos então, que no caso andino, não houve a passagem da cultura indígena à cultura ocidental, e sim, o processo inverso, em que a cultura indígena integrou os elementos europeus. Como os incas estavam acostumados a produzir excedente econômico e a pagar tributo, os espanhóis aproveitaram o sistema preexistente para controlar a mão-de-obra. Para isso, contavam com a ajuda de chefes locais, que mantinham como antes, a ligação entre senhores e súditos. Foi essa administração indireta que favoreceu a manutenção das tradições indígenas, apesar da ação espanhola em sentido contrário através da evangelização e das reduções[16], que em verdade desde o momento inicial da conquista, eram um instrumento para justificar suas pretensões políticas[17]. Os documentos indígenas são resultantes dessa mescla, em que por um lado há a influência da ‘aculturação’, pois os cronistas retratam sua cultura com visão ocidentalizada, mas por outro, fazem uma apologia ao mundo andino[18].
Tais relatos originam-se da confluência de discursos representativos de culturas distintas. A utensilagem mental[19] do espanhol, só lhe permitia reproduzir aquilo que via de acordo com seus próprios traços culturais. O indígena que passou pelo processo de aculturação, não apagou de sua memória a própria cultura, apenas passou a filtrá-la sob influência dos modelos europeus. Ao analisarmos documentos do século XVI e XVII, que tratam a história andina no período incaico e colonial até à época de Toledo, estamos lidando com um conjunto de informações que são a representação desse mundo indígena, aos olhos de europeus e de mestiços e autóctones influenciados por traços culturais espanhóis. Os textos resultantes dessa confluência cultural representam uma nova realidade, que acabará por ser assimilada e sociabilizada.
Podemos concluir, que as crônicas espanholas e indígenas resultam dessas práticas culturais vividas no século XVI, que expressam distintos processos adaptativos e até de resistência. A tão aclamada vitória espanhola sobre os Incas, reflete a tragédia vivida por esse povo, que teve seu mundo transformado. As crônicas fornecem-nos representações da história do descobrimento e conquista do Peru, bem como, todo o período de colonização. Como já abordamos na primeira parte desta pesquisa, as crônicas refletem discursos distintos de grupos que se encontraram numa fronteira intercultural[20], que permite sua transposição, mas em que estes dificilmente perdem suas próprias características. O processo de alteridade e de aculturação, bem como as representações do mundo indígena, se originam nessas fronteiras discursivas, onde o discurso espanhol e autóctone se encontram ou divergem, mostrando as imagens desses dois mundos em contato.

Genealogia dos Incas


Mitos de origem

Homens ávidos por riquezas chegaram às terras incaicas imbuídos de um espírito conquistador e não mediram esforços para submeter essa população. As crônicas surgidas ao longo desse período de conquista e colonização, principalmente durante o primeiro século, representam o processo de alteridade vivido por esses povos e são um importante acervo etnográfico que nos permite conhecer melhor o mundo indígena dessa região da América. Antes de aprofundarmos nossas análises sobre a representação do ayllu durante o século XVI, conheceremos alguns traços culturais e a história do povo Inca expressos em crônicas e documentos diversos.
Cieza de León e Francisco de Ávila relataram ter ouvido dos incas que em tempos anteriores à sua presença nessa terra, houve um dilúvio que matou quase todos os seres humanos e o mundo esteve em vias de desaparecer. Alguns homens e mulheres se salvaram porque se esconderam em cavernas em montanhas bem altas e depois que a tormenta passou, daí saíram e começaram a multiplicar-se, repovoando a terra[21].
Depois disso, como esses homens viviam como feras, sem religião, nem ordem, sem plantar as terras e andavam nus, o Deus Sol se apiadou deles e mandou à terra seu filho e sua filha para que os doutrinassem e os ensinassem a cultivar a terra, criar animais, viver em casas e povoados e lhes predicassem leis para que soubessem viver como homens racionais e não como bestas. Assim, o Deus Sol colocou seus filhos no lago Titicaca e lhes disse para irem por onde quisessem e onde parassem para comer ou dormir, sempre fincassem no chão a varinha de ouro que levavam com eles. Onde esta vara afundasse de um só golpe, deveriam fundar um novo povoado. Depois de reduzir o povo que vivia nas redondezas a serviço do Deus Sol, deveriam mantê-los em ordem e justiça e tratá-los sempre com piedade. Os filhos do Sol assim fizeram e no local onde a vara de ouro afundou, criaram Cuzco[22], cidade que se tornaria a capital do Tahuantinsuyu.
Esse é um dos mitos da origem dos Incas, que nos conta Garcilaso com grandes pormenores, porém Cieza de León relata uma versão um pouco diferente. Segundo ele, os homens também viviam em grande desordem, quando saíram de Pacarec Tampu, uma caverna que se localiza próximo a Cuzco, três homens e três mulheres. Os homens que daí saíram se chamavam Ayar Uchu, Ayar hache arauca (Ayar Cachi) e Ayar Manco. As mulheres eram Mama Huaco, Mama Cora e Mama Rahua. Saíram vestidos de reis e um deles tinha uma atiradeira de ouro e nela posta uma pedra. Como era muito forte e com suas pedras derrubava até montanhas, provocou a inveja de seus irmãos e assim estes convenceram Ayar Cachi a voltar à caverna, onde o encarceraram. Prosseguiram suas andanças sem Ayar Cachi e onde chegavam fundavam novos povoados[23].
Semelhante a essa história, é a outra versão exposta por Garcilaso, que também descreve os irmãos Ayar como sendo fundadores do Tahuantinsuyu. Este diz que eram quatro homens e quatro mulheres, todos irmãos. Sairam de Paucartampu e os primeiros irmãos Manco Capac e Mama Ocllo, fundaram Cuzco, que na língua dos incas significa umbigo. Os incas descenderam desse casal, pois foram eles que subjugaram as nações vizinhas a Cuzco e os ensinaram a ser homens. Garcilaso questionou a importância dos outros irmãos Ayar, mas não obteve resposta contundente, aludindo tal resultado ao mundo de fábulas inventadas por esses povos[24].
O vocabulário cristão encontrado em todos os discursos dos cronistas, espanhóis ou não, por vezes, tendeu a transformar a história oral incaica numa espécie de catecismo, que mesclado às noções administrativas espanholas, criou uma nova representação da sociedade indígena.
Esses discursos espelham a luta de alteridade[25] vivida nos primeiros tempos de conquista, bem como a incompreensão da sociedade andina por parte dos espanhóis. Um exemplo disso é a dualidade de governo incaico e que os cronistas tiveram dificuldade em expressar. As únicas alusões ao poder dual são as que aparecem nos mitos dos irmãos Ayar, sucintamente abordados anteriormente e que conforme os estudos de Rostworowski, Duviols e Zuidema, comprovam a dualidade do poder incaico[26].
Ao tratar dos grandes chefes incas, os cronistas não se eximem de comentários preconceituosos, visto que rebaixar a autoridade destes era uma forma de legitimar o poder espanhol sobre os mesmos. Para Sarmiento de Gamboa, os Incas foram tiranos que governaram o Peru desde 565 da era cristã até 1533, quando chegaram os espanhóis e implantaram o poder real em nome de Carlos V[27].
Manco Capac foi o primeiro chefe do Tahuantinsuyu e Mama Ocllo, sua esposa. Garcilaso nos conta, que Manco Capac mandou fundar mais de cem povoados na região do Paucartampu, próxima a Cuzco e esse foi o início de toda a conquista. Ele não relata a cronologia incaica, pois ao que parece, nem eles sabiam ao certo, visto ser uma história antiga demais para ser guardada de memória[28].
É possível supor, que no início da conquista incaica ainda imperasse o sistema matriarcal, conforme os relatos de Guaman Poma de Ayala. Ele se refere à Mama Huaco como sendo uma mulher muito bonita e feiticeira, que no começo dos tempos se casou com seu próprio filho, Manco Capac Inga. Ela falava com as huacas e com os demônios e dela saíram todos os futuros chefes Incas. Foi muito amiga do povo e governava mais que o seu marido Manco Capac Inga sobre toda a cidade de Cuzco e jurisdição. Todos a obedeciam e respeitavam, pois fazia milagres com a ajuda de demônios[29].
Esse relato nos remete a finais do século XVI, período em que se instalou a Inquisição em Lima. Mulheres ditas bruxas começaram a ser perseguidas. Na verdade, estas não passavam de simples curandeiras, que conheciam plantas medicinais e que por isso, eram muito respeitadas em suas comunidades. Temendo o poder que estas mulheres tinham junto aos curacas (chefes locais), os quais sempre recorriam a elas em busca de conselhos, a máquina administrativa da coroa espanhola facultou a perseguição das mesmas, utilizando para tal, a Igreja. Começaram a aparecer então as histórias normais de um discurso inquisitorial, ou seja, bruxas são as maiores aliadas do diabo e conhecem o poder das plantas para produzir malefícios a outrem[30]. A perseguição não se restringiu às mulheres, pois homens também foram acusados de serem dogmatizadores e feiticeiros, pelo mesmo motivo acima afirmado[31]. Guaman Poma, enquanto indígena cristianizado, escreveu sua crônica dentro dos modelos religiosos assimilados e de acordo com a realidade que estava vivendo, não podendo deixar de mencionar o poder do demônio nas mais variadas circunstâncias da história incaica.
O discurso aculturado do mestiço Garcilaso de la Vega traz à tona uma série de conceitos alheios ao mundo andino, quando este ao descrever o mandato de Manco Capac, trata em minúcia o momento em que o mesmo resolve apresentar o seu testamento.
Manco Capac reinou cerca de 30 anos, não se sabe ao certo. Perto de sua morte, chamou seus filhos, sua esposa Mama Ocllo Huaco e suas esposas secundárias.
"Llamó asimismo a los más principales de sus vasallos y por vía de testamento les hizo una larga plática, encomendando al príncipe heredero y a sus demás hijos el amor y beneficio de los vasallos, y a los vasallos la fedelidad y servicio de su Rey y la guarda de las leyes que les dejaba, afirmando que todas las había ordenado su padre el Sol. Con esto despidió a los vasallos, y a los hijos hizo en secreto otra plática, que fue la última, en que les mandó siempre tuviesen en la memoria que eran hijos del Sol, para respetar y adorar como a Dios y como padre"[32].

Para Garcilaso, o natural era utilizar vocábulos próprios da cultura espanhola, que tinha por características a vassalagem devida a príncipes e reis, coisa que era distinta entre os incas. Os povos submetidos pelo povo inca não lhes deviam vassalagem, conforme o antigo modelo feudal europeu, eram sim, inseridos em um processo de reciprocidade e redistribuição controlado pelos chefes do Tahuantinsuyu. Poré, ele escreveu para espanhóis.
A genealogia incaica traçada por alguns cronistas, não demonstra a dualidade de poder existente, visto que só conheciam o poder monárquico. Por isso, inumeram os Incas dinasticamente, começando por Manco Capac, que foi sucedido por seu filho Sinchi Roca e sucessivamente até Atahualpa. Betanzos, que foi um dos cronistas a esboçar uma lista dos Incas, nem sequer menciona a Huascar, que no momento da conquista, compartilhava o poder com seu irmão Atahualpa[33]. As lutas entre os dois irmãos ficaram amplamente conhecidas[34], sendo um dos argumentos explicativos da derrota incaica diante da pequena quantidade de espanhóis que submeteram Atahualpa e o seu povo em Cajamarca.
Os cronistas dão por encerrada a história da "dinastia incaica", que governou e doutrinou os povos andinos, a partir do momento em que chegaram os espanhóis. Não compreenderam o sistema político andino, pois era demasiadamente difícil para homens com mentalidade de fins do medievo, assimilarem o novo, o diverso, sem realizar comparações com seus próprios modelos, o que os privou de uma factível interpretação do outro.



 Um Império construído pela reciprocidade e redistribuição

No período inicial de expansão, a reciprocidade foi responsável pelo rápido crescimento do Tahuantinsuyu, pois o soberano inca presenteava seus vizinhos, que viviam organizados em ayllus, e em troca recebia força de trabalho. Isso significa que "la autoridad no se ejercía directamente, sino a través de la reciprocidad y de la minka"[35].
O Inca tinha que "rogar" ajuda aos curacas de outras etnias e dar-lhes mulheres, objetos sagrados, coca etc; para isso precisava ter uma grande quantidade de bens para oferecer[36].
Isso aumentou a produção agrícola e de gado, proporcionando o excedente tão necessário para a manutenção das ligações recíprocas com outras etnias. No artigo La guerre et les rebéllions dans l'expansion de l'État inka, John Murra mencionou a importância, para a expansão inca, dos casamentos entre o Inca e as filhas de chefes locais[37].
O Tahuantinsuyu expandiu-se rapidamente através do sistema de reciprocidade inicial, que tinha por objetivo adquirir força de trabalho. Segundo Craig Morris, uma das razões que permitiu o incrível crescimento do Tahuantinsuyu repousa justamente sobre o feito de que numerosos aspectos de sua economia ficavam inseridos na estrutura sócio-política primitiva mesmo enquanto a autoridade central se fazia cada vez mais secularizada, militarizada e centralizada. Os Incas conseguiram manter - pelo menos de uma maneira fictícia – os laços pessoais e rituais que estão na base de todo o sistema de relações recíprocas[38].
No começo do desenvolvimento incaico, a reciprocidade regulava as relações entre os senhores da área cuzquenha. O poder do Inca era limitado, não podia simplesmente mandar, necessitava pedir aos outros chefes étnicos que o ajudassem a realizar as tarefas importantes para o crescimento do domínio inca.
O estudo da reciprocidade aplicada ao incário pode ser dividido em duas etapas: a reciprocidade durante o período de expansão inca e, depois, quando o Tahuantinsuyu está consolidado. Na última etapa, a reciprocidade aparece ligada à redistribuição.
Segundo Marcel Mauss, na reciprocidade as prestações e contra-prestações são feitas de uma forma sobretudo voluntária, por presentes, embora sejam, no futuro, rigorosamente obrigatórias, sob pena de guerra privada ou pública[39].
No período inicial da expansão inca, ocorria essa troca de presentes por trabalho. Porém, quando o Tahuantinsuyu cresceu, esse tipo de reciprocidade tornou-se impraticável, pois o Inca não podia mais ir de aldeia em aldeia "rogar" ao chefe local por seu apoio, oferecendo-lhe presentes e festas para tal.
Os soberanos incas, para libertarem-se do cumprimento das regras estabelecidas pelo sistema de reciprocidade inicial, pelo menos no que tange às etnias rebeldes, valeram-se dos yanas para solucionar seus problemas. Os yanas eram pessoas retiradas de seus ayllus de origem para cumprir tarefas e trabalhos e que não entravam nas tarefas comunais de suas parcialidades e povoados[40].
Quando um grupo étnico não se submetia a Cuzco, então o soberano inca colocava no lugar do chefe local um yanacona de sua confiança. Desse modo, não necessitava manter a reciprocidade com essa etnia, já que os yanas estavam fora do sistema de "rogos".
Apesar de ter representado uma situação incômoda para os soberanos incas, a reciprocidade foi fundamental para a manutenção de seu poder e para o crescimento do Tahuantinsuyu[41].
Quando o domínio incaico se estabeleceu por grandes extensões de terra, foi necessário fazer diversas obras, como: centros administrativos, depósitos, estradas e outras construções para facilitar a reciprocidade e, também, a redistribuição de bens dentro do Tahuantinsuyu.
Karl Polanyi[42] foi o primeiro pesquisador a trabalhar com a noção de economia redistributiva, ao analisar as economias antigas e a organização econômica de grupos étnicos não-ocidentais.
John Murra, em sua tese de doutorado, La organización económica del Estado Inca, defendida em 1955 e publicada em espanhol pela primeira vez em 1978[43], expõe suas idéias sobre a economia incaica, baseando-se na noção de redistribuição, conforme os dados de Polanyi[44], e também, na de reciprocidade.
Al caracterizar el sistema económico inca como redistributivo, le atribuimos al estado el papel principal en el intercambio de bienes. El estado recibía la mayor parte del excedente de la producción campesina y de los artesanos a su servicio, y a su vez redistribuía la mayor parte de estos productos entre diversos segmentos de la población, de acuerdo con una lógica estatal[45].

Os estudos de Murra[46] permitiram perceber que o Tahuantinsuyu não se fundamentou em um poder totalitário e, sim, numa organização baseada na reciprocidade e na redistribuição.
El Tawantinsuyu se fue convirtiendo de esta manera en un organismo capaz de organizar una redistribución de bienes y servicios a cambio de la entrega de la energía humana de la población, organizada de tal modo que dicha energía puede ser considerada como suplementaria, y no afectaba el acceso directo a los recursos por las unidades étnicas[47].

Conforme a análise de Maurice Godelier, antes do domínio inca, as relações de produção de uma etnia baseavam-se nos laços de parentesco. Quando o Tahuantinsuyu integrou todos os grupos étnicos ao seu sistema econômico recíproco e redistributivo, as relações de produção passaram a basear-se em relações político-religiosas, representadas pelo Inca, filho do deus Sol[48].
O Estado Inca, para satisfazer as necessidades de sua produção, fez uso das tradicionais relações de reciprocidade dentro do ayllu, fornecendo, para tal, os utensílios e as sementes necessárias e fazendo com que as pessoas trabalhassem em trajes de festa, com música e cantos, conforme seus rituais.
As antigas relações de parentesco e as antigas relações políticas aldeãs e tribais, sem mudarem de forma nem de estrutura, tinham a partir de então mudado de função, uma vez que estavam encarregadas de fazer funcionar um novo modo de produção[49] .

Para que esse sistema funcionasse era realmente necessário que o trabalho fosse ritualmente solicitado pela autoridade local, por isso, não é de se estranhar que habitantes de Chucuito ao serem interrogados pelo visitador Garci  Diez de San Miguel sobre o que davam a seus curacas, responderam que em um determinado período não plantaram suas terras, porque não lhes haviam pedido[50].
O território inca expandiu-se em tempos de Pachacutec, Tupac Yupanqui e Huayna Capac, seja por meio da reciprocidade ou das armas. De acordo com Maria Rostworowski, nos locais mais afastados, onde não era conhecido o costume andino da reciprocidade, as etnias resistiram ao domínio incaico por meio de batalhas sangrentas[51]. Os cronistas ao tratarem desse assunto basearam-se em sua própria experiência na conquista dos Andes, não retratando as noções que regiam as relações entre os homens andinos, diferentes das utilizadas pelos europeus no século XVI. Assim, as crônicas nos fornecem versões das conquistas incaicas que são discutíveis.
Na época do domínio de Huascar, não restava muito que conquistar, mas coube-lhe enfrentar seus opositores, ou seja, elementos da nobreza incaica que queriam seu irmão Atahualpa no poder. Houve diversos enfrentamentos entre os dois Incas, mas Atahualpa acabou vencendo, como verificaremos mais detalhadamente a seguir.
Conforme a periodização de Waldemar Espinoza Soriano, Pachacutec foi o soberano de 1438 a 1471; Tupac Yupanqui de 1471 a 1493; Huayna Capac de 1493 a 1527; Huascar de 1527 a 1532 e Atahualpa de 1532 a 1533[52]. Estes incas foram responsáveis pela expansão e formação do Tahuantinsuyu.


Templo do Sol - Pachacamac


Sociedade inca

A sociedade inca teve como uma das principais características a dualidade que se manifestou na divisão existente nos grupos étnicos e nas regiões do Tahuantinsuyu. Esse sistema dual originou-se nas relações de parentesco e uma de suas funções era fazer funcionar a reciprocidade[53]. Os cronistas estabeleceram as dinastias incaicas em seqüência, porque concebiam o poder individual, favorecendo os incas de Hanan, visto que estes estavam no poder quando da invasão espanhola. Muito embora, nas crônicas não apareça especificada a dualidade, sempre se mencionam pares de curacas das diversas regiões do Tahuantinsuyu. Eles representavam as metades de seu sistema organizativo, Hanan (de cima) e Hurin (de baixo). Em alguns documentos administrativos, por exemplo, nas visitas coloniais, a dualidade dos curacas aparece demonstrada, como no caso dos Lupaca[54] e na Visita de Acari de 1593[55].
A dualidade entre os soberanos cuzquenhos fazia parte do processo de seleção para ascender ao poder[56]. Porém, os cronistas apresentaram a transmissão do poder entre os incas segundo o modelo europeu. Dessa maneira podemos entender porquê os cronistas descreveram uma sucessão dinástica, na qual o filho mais velho recebia por herança o poder do pai falecido, de acordo com o modelo de monarquia hereditária. Incorporaram à história dos incas os conceitos de legitimidade e primogenitura, bases do sistema europeu de transmissão de propriedade e também de poder real ou senhorial, mas diferentes ou até inexistentes entre os incas. O sistema de herança do governo mediante primogenitura de tidpo europeu não se encontra na região andina, conforme o resultado de pesquisas sobre o sistema de parentesco andino, baseado no regime de família extensa. John H. Rowe mostrou que as crônicas generalizavam, quando afirmou a existência de um sistema de designação de sucessores entre os homens andinos, mesmo sem uma regra detalhada para tal[57].
A estrutura social no Tahuantinsuyu era composta pela elite governante e administrativa, pelos sacerdotes, mercadores, artesãos, pescadores, hatun runa, mitmaq, yanas, acllas e piñas.
O soberano do Tahuantinsuyu recebia a denominação de Sapa Inca[58] e juntamente com as panacas ou ayllus reais formava a aristocracia incaica.
O Inca era considerado sagrado, visto ser descendente do deus Sol. Desse modo, seu poder não era apenas político, mas também religioso. Ele era responsável pela manutenção das relações de reciprocidade e redistribuição com os grupos étnicos anexados ao Tahuantinsuyu. Além disso, intervinha nos conflitos de tais grupos, comportando-se como se fosse o senhor local, mas de nível superior.
No início da expansão, o Inca contraía casamento com mulheres de outras etnias, visando a reciprocidade baseada em laços de parentesco. Depois, passou a ter como esposa principal a Coya, que pertencia à sua própria panaca. As esposas secundárias pertenciam a diversos grupos étnicos incorporados ao Tahuantinsuyu. A poligamia era admitida entre a elite[59].
O Inca contava com a ajuda de um corpo administrativo para organizar as tarefas estatais regionais. O tocricuc era o governador incaico em uma determinada região; o Michiq foi identificado pelos cronistas como tenente de gobernador; o Tucuyricuc era um funcionário que atuava como um inspetor do Inca e que viajava pelas diferentes regiões do Tahantinsuyu, recolhendo informações e resolvendo conflitos locais; finalmente, o Quipucamayoq foi identificado como o especialista no manejo dos quipus ou instrumento com fins contáveis[60].
Os senhores dos grupos étnicos, os curacas, foram de grande importância para a organização do Tahuantinsuyu, pois assumiam dupla função ao atuarem como administradores do sistema local em nível do ayllu e ao representarem o poder intermediário entre o Estado[61] Inca e seu ayllu, com a finalidade de satisfazer a rede estatal de abastecimento. O curaca  era a personagem encarregada do governo local, tendo como uma de suas funções a de canalizar parte do excedente da produção do ayllu para fins de provisão social. Inclusive ao incorporar-se distintos senhorios, etnias e outros ao Estado Inca, o curaca local mantinha suas faculdades de centralizador dos recursos comunitários, mas convertendo-se  em sujeito das disposições cuzquenhas[62].
Conforme a análise de Maria Rostworowski, os Incas no início foram simples curacas e ao formarem o Tahuantinsuyu estabeleceram sua organização interna sobre a já existente, ou seja, sobre o modelo de curacazgos. As macro-etnias funcionaram como núcleos redistributivos locais[63].
Segundo essa pesquisadora e conforme demonstramos acima houve um sistema dual nos curacazgos, pois cada grupo anexado ao Tahuantinsuyu enviava um senhor para Cuzco, assegurando a fidelidade de sua etnia ao poder incaico. No curacazgo ficava outro curaca que orientava as tarefas do ayllu em relação ao Estado[64]. Os curacas desempenharam um papel primordial no funcionamento da organização do Tahuantinsuyu.
Os sacerdotes eram importantes na sociedade incaica, pois detinham o conhecimento mítico e faziam previsões do futuro falando com as huacas[65], com os mortos[66] e sacrificando animais para obterem respostas. Havia uma hierarquia religiosa, mas a autoridade máxima era o Villac Umu, que era responsável pelo templo do Sol em Cuzco, o Coricancha[67]. Nenhum ato importante era realizado em Cuzco sem consultar a callpa[68], ou seja, retirava-se o coração ainda palpitante de um animal para nele ler-se os augúrios. Os ichuri, em Cuzco, cumpriam funções de confessores e os socyac prediziam o futuro através de grãos de milho. Os ritos e cerimônias para a Lua e a terra estavam sob a responsabilidade da Coya ou rainha e das mulheres da elite cuzquenha[69].
Na costa peruana havia um grupo especializado em praticar o intercâmbio e a troca. Esses "mercadores"[70] não utilizavam moeda, só troca de produtos e os que mais desenvolveram essas funções foram os de Chincha e os da costa norte). Os "mercadores" de Chincha - costa sul - navegavam até o norte (atual Equador), levando cobre para intercambiar por mullu, conchas vermelhas, que foram objeto especial de troca pelo seu caráter sagrado, sua grande demanda e por só se encontrar em águas tíbias e não no litoral peruano, banhado por uma corrente fria[71].
Os "mercadores" da região costeira equatoriana chamavam-se "mindala"[72] e trocavam diferentes produtos e suas categorias sociais variavam, pois havia desde simples mercadores a senhores principais que trocavam roupa de lã. Havia também funcionários menores que só produziam e trocavam sal[73].
Na costa, o ofício desempenhado tinha grande importância para o modelo organizativo da região. Cada indivíduo tinha sua especialização e dedicava-se a ela com exclusividade. Os "mercadores" eram responsáveis pelo intercâmbio de produtos e os artesãos tinham funções definidas: uns podiam ser ceramistas e outros especialistas em arte têxtil[74].
Os artesãos destacaram-se não só pelos seus produtos de alta qualidade, mas porque as suas tarefas eram fundamentais para o funcionamento da reciprocidade, pois o Inca utilizava os tecidos, as cerâmicas e demais objetos artesanais para presentear a quem necessitasse agraciar.
A costa peruana era rica em fauna ictiológica e os pescadores que viviam organizados em ayllus perto do litoral, dedicavam-se somente à pesca[75].
Os pescadores não possuíam terrenos agrícolas, mas cultivavam em lagos a totora para confeccionar seus barcos. Quando tinham peixe em grande quantidade, salgavam e secavam-no para conservá-lo e trocá-lo por produtos da serra.
O hatun runa, "hombre basto, o labrador mitayoc o aldeano que no es de la ciudad"[76] era o homem casado que conformava a grande maioria da população andina. Os hatun runa representavam a força de trabalho do Tahuantinsuyu, pois eles trabalhavam os campos, eram recrutados para o exército inca e compunham os grupos de mitmaq e de yanas[77].
Entre os hatun runa só era permitida a monogamia. O chefe da família cuidava de suas atividades junto à comunidade e ao Estado. Sua esposa tratava dos afazeres domésticos, cuidava dos animais, tecia e criava os filhos. Os jovens costumavam tomar conta do gado da comunidade ou do Estado e podiam ser escolhidos para serem mensageiros, os chasqui. As adolescentes ajudavam as mães, casavam-se com jovens da comunidade ou eram escolhidas para integrarem-se às aclla huasi. As crianças também trabalhavam realizando tarefas mais leves.
O trabalho era muito importante no mundo andino, por isso os idosos e aleijados eram considerados pobres, por estarem incapacitados de trabalhar temporariamente ou indefinidamente, tendo que ser sustentados pelo grupo a que pertenciam. Esse conceito de pobreza difere do utilizado pelos cronistas espanhóis, que os consideravam pobres porque não tiveram acesso direto à terra e ao pastoreio[78].
Os mitmaq compunham grupos que foram transplantados, junto com suas famílias e seu chefe étnico, para outros locais a fim de efetuarem tarefas estatais. Por serem de confiança do Inca, costumavam ser enviados para locais fronteiriços com o intuito de facilitarem a incorporação de novas regiões ao Tahuantinsuyu.
Os mitmaq ficavam longe de seu local de origem, mas mantinham os laços de parentesco e de reciprocidade com sua região, o que os diferenciou dos yanas, conforme a afirmação de Maria Rostworowski, pois estes perdiam todos os vínculos com suas origens[79].
Quando os yanas eram extraídos de seu grupo étnico passavam a ser criados de curacas, do Inca, das panacas, da coya, esposa principal do Inca, ou mesmo do Sol, pois também trabalhavam no templo do Sol e demais huacas. As acllas eram a parte feminina do grupo de yanas[80].
As acllas eram as meninas retiradas de seus ayllus e, segundo a justificativa do Inca, selecionadas por sua grande beleza. Na verdade, elas não eram escolhidas por sua formosura, mas por seus dons, principalmente no que concerne à arte têxtil. Ao contrário do que julgaram os espanhóis, as aclla huasi[81] não eram conventos, e sim, locais onde se produziam tecidos e chicha, bebida feita à base de milho fermentado. Também serviam como depósito de mulheres para o Inca presentear àqueles a quem devia favores, como regia o sistema de reciprocidade. Nas aclla huasi, também conhecidas como templo das "virgens do Sol", as acllas eram divididas conforme suas origens e aptidões[82].
As acllas de sangue inca permaneciam castas e reclusas na aclla huasi, mas as outras podiam entrar e sair durante o dia e casar-se quando o Inca desejasse.
Os prisioneiros de guerra que não admitiam a derrota eram transformados em piña e tornavam-se criados do Inca. Maria Rostworowski questiona se foram eles que deram origem à criação dos yanas[83], mas Waldemar Espinoza Soriano afirma que os piña eram escravos[84]. Existem ainda controvérsias em torno desse assunto, mas convém salientar que os piña, escravos ou não, representavam a última escala social do Tahuantinsuyu.
A análise da composição social incaica permite-nos perceber que o Estado inca não chegou a integrar-se verdadeiramente. A reciprocidade que formou o Tahuantinsuyu não conseguiu unificar o povo através de sentimentos, porque a coerção também foi utilizada obrigando, por vezes, ao deslocamento massivo de etnias para atender aos preceitos estatais[85]. Essa situação se refletirá no período colonial, quando muitos índios se tornam aliados dos espanhóis para libertarem-se do domínio inca.


Economia do Tahuantinsuyu

A organização econômica do Tahuantinsuyu, como já vimos, baseava-se no funcionamento dos sistemas de reciprocidade e redistribuição. A reciprocidade dava-se dentro dos grupos de parentesco, ou seja, quando indivíduos de ayllus intercambiavam produtos e serviços[86].
Na reciprocidade entre curacas e a coletividade étnica realizavam-se trabalhos como oferendas às huacas (divindades protetoras) e aos mallquis, que eram as múmias dos antepassados reais[87].
A redistribuição ocorria entre as comunidades étnicas e o Estado inca que exigia trabalho como tributo e em troca entregava benefícios coletivos ou individuais. Esse trabaho era conhecido por mita[88]. Conforme as palavras de Nathan Wachtel, podemos concluir que na sociedade inca a reciprocidade caracteriza a vida econômica das comunidades rurais e que a redistribuição provém da organização estatal[89].
A organização desses sistemas de reciprocidade dividiu as populações em "Wamanis, waranquas, llactas, pachacas y ayllus, que en correspondencias más o menos semejantes pueden ser entendidas como provincias, etnias, pueblos, clanes y familias extendidas, respectivamente"[90]. As llactas, as pachacas e os ayllus encontravam-se organizados em metades para facilitar a reciprocidade. Esse sistema dual facilitou a organização da economia incaica, pois as llactas estavam divididas em hanan (de cima) e hurin (de baixo) e em allauca (direita) e ichoc (esquerda), o que beneficiava a distribuição das funções produtivas.
A inexistência de dinheiro e comércio no mundo andino foi substituída pela reciprocidade e redistribuição que ajudaram a organizar a economia e a estrutura social incaica. Conforme afirma Billie Jean Isbell, "la reciprocidad es el 'hilo' que mantiene unidos: parentesco, jerarquía social y cosmovisión"[91]. Completamos essa idéia salientando mais uma vez a importância da reciprocidade na estruturação econômica incaica, porque foi através desse sistema que os incas conseguiram expandir seu território e formar o Tahuantinsuyu.
A terra era o elemento mais importante para a população andina, mas durante o domínio inca foi repartida em terra do Inca, do Sol e do povo. Blas Valera colocou que a propriedade se justificava pelo trabalho comum e particular que havia de ser empregado para plantá-la[92]. Por isso, era tão grande o apego à terra.
A terra do Inca era trabalhada pelo povo em sistema de mita e a produção servia para abastecer os depósitos administrativos, também chamados de tambos. Esses produtos eram utilizados para sustentar a elite, os exércitos e o excedente faziam parte dos bens a serem redistribuídos. O serviço rotativo prestado pelos camponeses, a mita, também foi utilizado para efetuar as tarefas produtivas na terra do Sol[93].
O hatun runa ou homem comum, ao casar-se, recebia um tupu para o sustento de sua família. Maria Rostworowski num estudo sobre os sistemas de medições no mundo andino concluiu que um tupu foi o lote de terra suficiente para a subsistência de um casal sem filhos[94].
O Estado Inca dividia, dessa maneira, a terra destinada à população do Tahuantinsuyu. Cada família recebia seu pedaço de terra para plantar e criar animais, tirando daí o seu sustento. O tamanho da área territorial que o Estado tomava para si de cada grupo étnico variava, pois de acordo com as palavras de Polo de Ondegardo, isso se dava em conformidade com a natureza das terras e de sua população. As terras dedicadas ao culto eram cultivadas e administradas separadamente e o produto da colheita armazenado em depósitos próprios[95].
Quanto ao direito à terra, havia uma hierarquia a ser respeitada, articulada ao sistema de parentesco que determinava as terras a serem distribuídas de acordo com cada unidade doméstica. Os direitos dos curacas podiam estar articulados à sua ancestralidade ou ainda, oriundos de recompensas oferecidas pelos chefes incas, como demonstra Polo de Ondegardo.
...esta propriedad no la podia tener sino fuese por merçed Del ynga la qual haçia algunas vezes por servicios que le haçian...[96]

Não sabemos se essas terras doadas pertenciam aos domínios estatais ou aos grupos locais, mas era certo que fossem produzidas pela linhagem daquele que as recebia, compartilhando assim da colheita. O Estado inca concedia terras, mas também as tomava no caso de rebeliões, pois a perda dos meios de subsistência era o pior dos castigos. Os cronistas sempre confundiram as terras Incas com as estatais. As primeiras eram cultivadas para subsistência dos chefes incas e sua parentela e também para as múmias e seus servidores[97] e as estatais para manutenção do exército e do sistema de reciprocidade e redistribuição.
Sintetizando, para nossa pesquisa é importante entender que o direito à terra nos Andes estava relacionado com o sistema de parentesco, ou seja, todo grupo ligado por consangüinidade a um determinado curaca possuía suas próprias terras de cultivo, seus pastos e suas reservas de água. As fronteiras dessas terras eram conhecidas por todos e em geral estavam representadas por montanhas, rios e outras barreiras naturais. Porém, havia ayllus que possuíam terras dispersas entre as montanhas e a costa, até mesmo para ter acesso a produtos de regiões diferentes. Percebemos então, que a concepção de território nos Andes possui muitas particularidades. Para exemplificarmos temos o caso dos ayllus de Acari, que tinham suas terras dispersas não só no Vale de Acari, como também no vale vizinho de Yauca[98].
Na serra meridional, o sistema de enclaves significou o domínio dos senhores étnicos serranos sobre os habitantes do litoral e até mesmo da selva. Essa descontinuidade territorial foi mais comum na serra por possuírem mais espaço disponível, já que os vales da costa peruana estavam entrecortados por desertos. Outro exemplo desse sistema de domínio territorial encontramos na Visita de Cajamarca de 1571-1572. O Senhorio de Cajamarca era uma macro-etnia que possuía cinqüenta e duas pachacas, termo que parece ser sinônimo de ayllu na região norte da serra[99]. Cada pachaca possuía seu território disperso e entrelaçado com territórios de outros grupos. Longe da concepção européia de fronteira, essa distribuição atendia à necessidade de diminuição dos riscos na agricultura andina, que estava sujeita a granizo, pragas, secas ou excesso de chuva. Assim, se perdessem uma colheita teriam acesso a outras e nunca ficariam desprovidos de sustento[100].
Sendo a agricultura a base da economia incaica, foram desenvolvidas técnicas que aumentaram a produtividade dos campos. Os andenes ou terraços agrícolas artificiais já eram conhecidos por povos pré-incaicos, mas foram utilizados em larga escala pelos incas, pois permitiam uma grande produção agrícola.
John Murra desenvolveu a hipótese de que as sociedades andinas puderam aumentar sua produção através do controle vertical de um máximo de pisos ecológicos, pois podiam obter produtos da costa e da serra sem necessitarem afastar-se por muito tempo de seu lugar de origem[101]. Os incas desenvolveram diversas técnicas de irrigação que beneficiavam o regadio dos locais de plantio. Para adubar a terra, utilizaram esterco de llama ou alpaca, na serra, e na costa o guano (esterco de aves) e cabeças de peixe.
O transporte dos produtos agrícolas era feito por animais, como a llama, pelas estradas que ligavam todos os pontos do Tahuantinsuyu. Ao longo dos caminhos havia locais de descanso, os tambos, que além de servirem para o armazenamento de produtos, também eram um tipo de pousada.
Para controlar a produção no Tahuantinsuyu, os incas utilizavam o quipu.
El quipu consta de una cuerda principal - sin nudos - de la cual se desprenden otras, generalmente anudadas, y de diversos colores, formas y tamaños; (...) En los tiempos de los incas los quipus fueron utilizados así para fines contables...[102]

A criação de gado também foi de grande importância para a economia inca. Criavam-se, principalmente, llamas e alpacas, além de outros animais de menor porte. A carne da llama, quando animal velho, era transformada em charque, o qual se conservava por muito tempo. Mas, a principal utilidade da llama era servir como animal de carga. Sua lã também era aproveitada para cofeccionar tecidos. Da alpaca aproveitava-se a lã e a carne, que era muito consumida. Os rebanhos do Inca e do Sol destinavam-se à redistribuição, enquanto os das comunidades serviam para a subsistência do próprio grupo.
Os incas dedicavam-se também à mineração, principalmente de ouro e prata. Assim como existia a mita têxtil para produzir tecido em grande quantidade, também havia a mita mineira, quando um determinado número de pessoas era levado aos locais de extração para trabalhar em prol do Estado. Os metais preciosos eram levados para Cuzco para serem armazenados nos depósitos estatais, utilizados como decoração ou para serem redistribuídos pelo Inca.
A redistribuição, ao contrário do que possa parecer, não ocorria porque o Estado tinha fins humanitários, e sim, porque este necessitava de excedentes para investir na reciprocidade que garantia o domínio inca sobre as demais etnias. John Murra argumenta:
...la redistribución tiene poco que ver con 'economías de bienestar'. La mayor parte de lo almacenado se gastaba e invertía allí donde la autoridad creía más conveniente. En este sentido, el Estado Inca funcionaba como un mercado: absorvía la productividad 'excedente' de una población autosuficiente y 'trocaba' este excedente en la alimentación del ejército, de quienes servían en la 'mita' o en la de la familia imperial, tratando, de paso, de ganarse la lealtad de los beneficiados[103].

Como vimos, a reciprocidade ocorria através das prestações de serviço a nível comunitário, ayni e minka e a redistribuição baseava-se na mita. Esses sistemas regiam a economia incaica, porém havia diferenças entre os modelos econômicos da serra e da costa.
La existencia de estos dos modelos de organización tan distintos, el costeño y el serrano, pueden sugerir el hecho que en el área andina precolombina hubo dos sistemas socio-económicos debido en parte a las diferencias ecológicas. En la costa la división laboral por oficios y por parcialidad dio lugar a un pincipio de intercambio comercial, mientras en la sierra una economía agrícola de tipo redistributivo estuvo basada en una explotación de enclaves verticales multiétnicos[104].

Quando o Tahuantinsuyu se formou foi indispensável contar com a força de trabalho dos diversos grupos étnicos anexados aos domínios incas através da reciprocidade. A posse da terra centralizou o poder na figura do Inca, o que propiciou o controle de toda a produção necessária para a redistribuição. Dessa maneira, as bases da economia incaica, a reciprocidade e a redistribuição, prosseguiram funcionando tanto nos ayllus, como em relação ao Estado, beneficiando, em parte, a integração do território inca, já que algumas etnias prosseguiram insatisfeitas ante o domínio incaico.



Francisco Pizarro


Realidade e ficçao: a conquista do Peru nas crônicas

Depois de termos conhecido um pouco do mundo pré-hispânico, passaremos a analisar crônicas que nos fornecem imagens da conquista espanhola. Como crônicas são uma mescla de história e literatura, de verdade e mentira, de realidade e ficção, temos então um material de difícil manejo, devido a essa fina linha que separa o mundo real do imaginário.
Quando tratamos de rever a história da conquista do Peru à luz de algumas crônicas escritas nos séculos XVI e XVII, sabemos que os homens que as redigiram estavam no preâmbulo da idade média e moderna e que possuíam uma série de modelos de respeito às normas locais de autoridade e às ortodoxias doutrinais, bem como uma predisposição ao novo e à aventura, própria de uma consciência moderna[105]. Sendo assim, seus escritos eram o resultado de uma mescla de informações culturais. Isso se estende aos cronistas indígenas e mestiços, visto serem homens que passaram pelo processo de aculturação.
Ao cruzarem o Atlântico, esses homens envoltos de características mentais do medievo europeu, conjecturaram sobre o novo espaço territorial encontrado e houve quem concluísse que a América era a continuação das Índias orientais.
Las Casas tentou provar isso, argumentando que a fertilidade e felicidade encontrada nesse novo espaço eram a mesma que havia na verdadeira Índia, conforme o escrito de antigos historiadores. Ele colocou, que San Isidoro no livro XIV, 3º capítulo das Etimologias, relatou que a Índia era terra muito fértil, com muita gente, árvores que nunca perdiam as folhas e que davam frutos duas vezes ao ano e que abundava em metais e pedras preciosas, sendo estas características encontradas no novo continente[106].
Tentando entender esse mundo desconhecido, houve quem procurasse explicar a presença humana na América de modo coerente, como o fez Acosta, especialmente no que diz respeito ao Peru. Para ele, essa gente chegou por mar ou por terra, por acaso ou por determinação própria e não através de cavalo com asas, como cogitaram os apreciadores de fábulas[107].

Francisco Pizarro e Diego de Almagro, acompanhados de 350 soldados saíram da Espanha em busca das Índias, ouro, prata e todas as riquezas que se poderíam encontrar nessas novas paragens. Não tiveram medo, envolvidos que estavam pelo sonho de adquirir ouro e prata[108].
"Aventurando sus vidas
Han hecho lo no pensado,
Hallar lo nunca hallado,
Ganar tierras no sabidas,
Enriquecer nuestro Estado.
Ganaros tantas partidas
De gentes antes no oídas,
Y también, como se ha visto,
Hacer convertirse a Cristo
Tantas ánimas perdidas"[109].

Ao contrário dos espanhóis, os habitantes do Tahuantinsuyu não se regozijaram com a chegada desses homens ambiciosos. Antes desse nefasto momento, já os feiticeiros e sacerdotes haviam visto nas entranhas de animais sacrificados, que coisas terríveis estavam por acontecer. Quando Huayna Capac estava em Quito, recebeu a informação de que havia perto de Tumbez monstros marinhos e homens com barbas, que andavam no mar em grandes casas[110].
Houve também quem dissesse que eram viracochas[111], tais homens de barbas negras ou ruivas e de belos trajes, que se locomoviam em grandes animais com pés de prata[112]. Certo é, que tais homens deuses ou monstros, foram os responsáveis pelo massacre de grande parte da população andina.
O encontro de Pizarro com Atahualpa em 1532 começou com uma tentativa de reciprocidade, tão conhecida pelos incas e terminou em guerra. O motivo para o início da batalha sangrenta, segundo Xerez, foi o fato de Atahualpa ter jogado a bíblia sagrada ao chão. Ofendido, o Frei Vicente Valverde, queixou-se a Pizarro, que imediatamente ordenou o ataque. Atahualpa foi prontamente capturado e o alvoroço foi tremendo, índios correram para todos os lados, fugindo dos tiros de arcabuzes e das patas dos cavalos e outros ficaram paralizados pelo terror. A grande maioria das pessoas que se encontrava na praça de Cajamarca, pereceu aí mesmo[113]. Pizarro solicitou um resgate imensurável pela liberdade de Atahualpa, resolveu condená-lo à morte, mesmo depois de ter recebido todo o montante de ouro e prata que havia exigido.
Atahualpa sabendo de sua sentença roga a Pizarro por sua vida.
“Me maravillo de ti, oh capitán, que, porque habiéndome prometido por tu fe y dándote el rescate prometido, no solamente me quitarías las cadenas y me pondrías en libertad, sino que abandonarias mi país, ahora, cuando has conseguido el rescate prometido por mi libertad, me has sentenciado a muerte. Si Filippillo[114] te ha dicho que he tramado mataros a los barbudos, no ha dicho la verdad, porque nunca llegue a pensar tal cosa.Te ruego, pues, que me dejes vivir, porque contra ti nunca he pensado ni cometido nada que me haga merecedor de la muerte. Y si no te fías de mí, envíame a España ante el Emperador, a quien ofreceré gran cantidad de oro y de plata. Si, por el contrario, me matas, te aseguro que mis vasallos eligirán otro Rey que os matará a todos los barbudos. Manteniendome con vida, sin embargo governaré el país en paz y no habrá nadie que se atreva a moverse”[115].

O pedido de Atahualpa não foi levado em conta, pois Pizarro estava resolvido a solucionar todos os seus problemas, pondo fim à vida do Inca. Atahualpa foi retirado da prisão e ao som de trompetas levado para a praça, onde o amarraram a um pau. Enquanto isso, um religioso ía consolando-o e predicando-lhe, por meio de um intérprete, os ensinamentos da fé cristã. Estando ele condenado a morrer na fogueira, nos últimos instantes pediu para ser batizado, a que foi prontamente atendido e por isso, conseguiu morrer garroteado, livrando-se de ser queimado vivo. Mesmo assim, depois de cumprida a sentença, ainda lhe atiraram fogo à roupa para que se queimasse também parte da carne. Seu enterro foi assistido por Pizarro e seus companheiros, com direito a cruz e demais aparatos religiosos cristãos, sendo por fim enterrado numa Igreja, como verdadeiro espanhol[116].
O assassinato de Atahualpa significou a desestruturação[117] do mundo andino e a conquista espanhola em termos gerais, demonstrou como a falta de cochecimento do outro pode gerar um desencontro cultural de conseqüências desastrosas.
A derrota incaica frente a tão poucos espanhóis, até hoje é difícil de ser explicada. As descrições do massacre ocorrido em Cajamarca nos mostram a debilidade de milhares de homens diante de alguns cavalos, tiros de arcabuzes e coisas aterrorizantes para quem nunca tinha lutado dessa maneira. Por mais que tomemos em conta esses dados, não é possível entender essa indiscritível carnificina.
Explicações possíveis para tal tragédia podem estar relacionadas com o fato de os espanhóis não terem atacado desde o princípio, pois fizeram o que para os incas era usual, estabeleceram um sistema de reciprocidade, mediante a troca de presentes e mercadorias diversas. Por tanto, estabelecido esse sistema e não tendo sido atacados, não haveria porquê se prevenir contra os espanhóis, logo o fator surpresa foi contundente.
Em relação ao momento exato do ataque, em que milhares de índios atordoados diante do aprisionamento de seu chefe, sucumbiram quase sem reação, nos leva a crer que a verticalidade do Tahuantinsuyu seja um dos fatores de tal apatia diante do perigo. Para os incas, o seu chefe era como um deus e, portanto, o responsável por todos os atos e aspirações. Desprovidos de seu deus, esses homens ficaram absolutamente perdidos, visto não estarem acostumados a tomar iniciativas individuais. 




[1] MIGNOLO, Walter. Cartas, crónicas y relaciones del descubirmiento y la conquista. In: MADRIGAL, L. Íñigo (Coord.). Historia de la literatura hispanoamericana. Madrid: Cátedra, 1982, pp.57-116.
[2] Ver ELLIOTT, J. H. . El viejo mundo y el nuevo. Madrid: Alianza Editorial, 1984.
[3] Como exemplo, podemos citar Diego de Landa, que sofreu um processo judicial na Espanha, em virtude das arbitrariedades praticadas contra os índios e espanhóis em Yucatán. Para tal, redige a Relación de las cosas de Yucatán. México: Porrúa, 1966.
[4] MOTOLINIA, Toribio. Historia de los indios de Nueva España. Barcelona: Juan Gili, 1914.
[5] SAHAGÚN, Berbardino de. Historia general de las cosas de Nueva España. México: Porrúa, 1985.
[6] LANDA, Op. cit., 1966.
[7] CRISTÓBAL DE MOLINA, El cuzqueño. Fábulas y ritos de los Incas. Buenos Aires: Editorial Futuro, 1959[1552].
[8] BETANZOS, Juan de. Suma y narración de los Incas. In: Crónicas peruanas de interés indigena. Madrid: BAE, 1968[1551].
[9] MORE, Thomas. Utopia. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.
[10] TODOROV, Tzvetan. A conquista da América. A questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
[11] VALCÁRCEL MARTÍNEZ, Simón. Las crónicas de Indias como expresión y configuración de la mentalidad renacentista. Granada: Diputación Provincial de Granada, 1997. p.429.
[12] SIMON, Clarke. Acculturation and continuity: re-assessing the significance of Romanization in the hinterlands of Gloucester and Cirencester. In: WEBSTER, Jane, COOPER, Nick. Roman Imperialism: post-colonial perspectives. University of Leicester: Leicester, 1996, p.83; COOPER, Nicholas F. Searching for the blank generation: consumer choice in Roman and post-Roman Britain. Idem, 1996, p.86.
[13] CÉSPEDES DEL CASTILLO, Guillermo.  Las fronteras de Europa en la Edad Moderna. In: CÉSPEDES DEL CASTILLO, Guillermo. Ensayos sobre los reinos castellanos de Indias. Madrid: RAH, 1999, pp.10 e 11.
[14] STERN, Steven, Resistance, rebellion and consciounes in the Andean Peasant Word, 18th to 20th Centuries. Tha University of Wisconsin Press,.1987.
[15] GRUZINSKI, Serge. La red agujerada – identidades étnicas y occidentalizacion en el Mexico colonial (siglos XVI-XIX). America Indigena, Mexico, ano XLVI, n.3, jul-set, Vol. XLVI, 1986, pp.415.
[16]  WACHTEL, Nathan. A aculturação, in LE GOFF, Jacques, NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976b, pp.114-115.
[17] PIETSCHMANN, Horst. La Conquista de América: un bosquejo histórico, in KOHUT, Karl (ed.), De conquistadores y conquistados; realidad, justificación, representación. Frankfurt, Vervuert, 1992, pag.16.
[18] Sobre encontros e desencontros culturais ver também: BURKE, Peter. Variedades de história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, pp.255-267.
[19]  FEBVRE, Lucien. Le problème de l’incroyance au 16e siècle; la religion de Rabelais. Paris, Albin Michel, 1988, pag.328.
[20] “La interculturalidad no apunta pues a la incorporación del otro en lo proprio, sea ya en sentido religioso, moral o estético. Busca más bien la transfiguración de lo proprio y de lo ajeno com base en la interacción  y en vistas a la creación de un  espacio común  compartido determinado por la con-vivencia.
La meta de la con-vivencia no debe confundirse en ningún caso com la “pacificación” de las (conflictivas) controversias entre las diferencias, mediante la reunión de las mismas en una totalidad superior que se las apropria y armoniza”  FORNET-BETANCOURT, Raúl. Transformación intercultural de la Filosofía. Bilbao: Desclée, 2001, p.47.
[21] CIEZA DE LEÓN, 1985, v.2, pp.3-5; Ávila, 1987,  pp.75-79.
[22] GARCILASO DE LA VEGA, 1991, v.I, pp.39-42.
[23] CIEZA DE LEÓN, Op. Cit.,1985, v.2, pp.13-15.
[24] GARCILASO DE LA VEGA, Op. Cit., 1991, v.I, pp.46-48.
[25] TODOROV,  Op. Cit.,1983.
[26] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, María. Historia del Tahuantinsuyu. 2.ed. Lima: IEP,1988a; DUVIOLS, Pierre. Algunas reflexiones acerca de las tesis de la estructura dual del poder incaico. Historica. v.IV, n.2, dic, p.183-196, Lima, 1980, pp.183-196; ZUIDEMA, R. Tom. The ceque system of Cuzco. The social organization of the capital of the Inca. Leyden: Brill, 1964.
[27] SARMIENTO DE GAMBOA, 1988, p.171.
[28] GARCILASO DE LA VEGA, Op. Cit., 1991, v.I, pp.44-46.
[29] GUAMAN POMA DE AYALA, Felipe. 1993, p.64.
[30] SILVERBLATT,  Irene. Luna, sol y brujas; género y clases en los Andes prehispánicos y coloniales. Cuzco: CERA, BLC, 1990.
[31] PORTUGAL, Ana Raquel M. da C. M.A caça às bruxas andinas no século XVII. CD- Book do VIII Encontro Regional da ANPUH-RJ, Vassouras, 1998.
[32] GARCILASO DE LA VEGA, Op. Cit.,  1991, v.I, p.60. 
[33] BETANZOS, 1968.
[34] CIEZA DE LEÓN, 1985, pp.202-208.
[35] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Idem, 1988a, p.62; Minka - origina-se do verbo: Minccacuni. Rogar a alguno que me ayude prometiendole algo".  GONZALEZ HOLGUÍN, Diego. Vocabulario de la lengua general de todo el Perú llamada qquichua o del Inca. 3.ed. Lima: UNMSM, 1989 [1608], p.240.
[36] "Es de suponer que a medida que se ampliaban las conquistas, el número de curacas unidos al Inca por reciprocidad y por lazos de parentesco fue aumentando, lo que dio como resultado una afluencia cada vez mayor de fuerza de trabajo al Cuzco" ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Op. Cit., 1988a, p.65. Ver BETANZOS, Juan de. Suma y narración de los Incas. In: Crónicas peruanas de interés indígena. Madrid: BAE, 1968, p.65.
[37] "...l'Inka acceptait les filles de ses nouveaux alliés dans son harem. Ce système de gouvernement <<indirect>>, ainsi que l'établissement de liens de parenté entre l'État et les seigneuries locales, facilitèrent l'expansion de l'État..." MURRA, John. La guerre et les rebéllions dans l’expansion de l’État inka. Annales; économies, sociétés, civilisations. 33e année, n.5-6, sep-déc, Paris, 1978, p.929.
[38] Idem, 1978,  p. 945.
[39]MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974, v.II, p.45.
[40] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, María. Reflexiones sobre la reciprocidad andina. Revista del Museo Nacional. Tomo XLII, Lima, 1976, p.346.
[41] Idem, op. cit., 1988a, pp.70-71.
[42] POLANYI, Karl et al.Trade and markets in the Early Empires. Illinois: The Free Press Glencoe, 1957.
[43] MURRA, John. La organización económica del Estado Inca. 3.ed. Mexico: Siglo XXI Editores, 1983.
[44] POLANYI, Op. Cit., 1957.
[45] Idem, 1983, p.198.
[46] MURRA, John. Formaciones económicas y políticas del mundo andino. Lima: IEP, 1975 e John Murra. op. cit., 1983.
[47] PEASE, Franklin. Curacas, reciprocidad y riqueza. Lima: Pontifícia Universidad Catolica    Del Perú, 1992b, p.19.
[48] GODELIER, Maurice. Horizontes da antropologia. 2.ed. Lisboa: Edições 70, 1977, pp.336-337.
[49] Idem, 1977, p.333.
[50] DIEZ DE SAN MIGUEL, Garci. Visita hecha en la provincia de Chucuito en el año 1567; documentos regionales para la etnología y etnohistoria andinas. Lima: Ediciones de la Casa de la Cultura, 1964 [1567], pp. 111 e 117.
[51] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO. Op. Cit., 1988a, pp.116-122.
[52] ESPINOZA SORIANO, Waldemar. Los incas; economia, sociedad y Estado en la era del Tahuantinsuyu. 2.ed. Lima: Amaru, 1990, p.111.
[53] "El dualismo se manifestaba en la organización de los ayllus o grupos de parentesco, que aparecen agrupados en 'parcialidades' hanan o urin, alaasa o masaa, uma o urco, allauca o ichoc, en distintos lugares de los Andes. Dichos términos pueden ser entendidos como alto-bajo, derecha-izquierda, masculino-femenino, dentro-fuera e, incluso, cerca-lejos y delante-detrás" PEASE, Franklin. Los Incas. 2.ed. Lima: Pontificia Universidad Católica del Perú, 1992a, p.103.
[54] DIEZ DE SAN MIGUEL, Garci. Op. Cit., 1964.
[55] VISITA DE ACARI. Historia y Cultura. Museo Nacional de Historia, Lima, n.7, 1973 [1593].
[56] "En los primeros tiempos del Incario, la herencia del poder recaía sobre um hijo del gobernante y en caso de alguna emergencia la decisión la tomaba un consejo de dignatarios. Los varios candidatos trataban de atraer hacia sí la ayuda de sus parientes. No existió la primogenitura ni la bastardía como sustento de la legitimidad.
En teoría todos los hijos de un soberano tenían iguales derechos a la mascapaicha. Una consecuencia de este sistema hereditario fueron las intrigas, rebeliones y violentas eliminaciones de los candidatos. En un esfuerzo por suprimir las luchas, se dio inicio durante el gobierno de Inca Roca al correinado, es decir a la asociación del hijo elegido al gobierno del padre. El corregente compartía las tareas administrativas y militares, pero su nombramiento podía ser revocado por el inca. En los últimos gobiernos el sistema se fortaleció con la sucesión del "más capaz" de los hijos de la coya, la única reina de entre las muchas mujeres del inca.
Por último, en un mayor esfuerzo por eliminar a los candidatos se estableció durante el cogobierno de Tupac Yupanqui, el matrimonio incestuoso con una hermana, hecho que reforzaba el derecho del heredero por ser el hijo de la hermana del inca"  ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, María. Ensayos de historia andina: élites, etnías, recurso. Lima: IEP/BCRP,  1993, pp.38-39.
[57] ROWE, John H. Inca Culture at the time os the spanish Conquest. In: STEWARD, H. Julian. Handbook of South American Indians. New York: Cooper Square Publishers INC, 1963, p.247.
[58] Sapa inca - "de sapa: grande. Inca principal sobre los demás" ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Op. Cit., 1988a, p.299.
[59] "Un buen sapainca cumplía sus deberes religiosos para que los dioses nunca le negaran sus dones. De hecho era un sacerdote, aunque él ya no ejercía ese cargo oficialmente, bien que intervenía en la designación de los sumos sacerdotes. Cabalmente por eso se le creía que hablaba con las divinidades y consultaba a otros oráculos para dictar sus decisiones"  SOLANO, Francisco et al. Proceso histórico al conquistador. Madrid: Alianza Editorial, 1988,  p.314.
[60] PEASE,  Op.Cit., 1992a, p.115.
[61] Estado - "Desde el punto de vista antropológico, como político, y tal como lo define Kelsen, 'el Estado es una sociedad políticamente organizada bajo un ordenamiento coercitivo'. Es exacta la definición del célebre jurista, puesto que al decir 'políticamente organizada' se está refiriendo a sociedades cuya organización  incluye varios linajes, clanes o tribus, y la organización 'política' empieza con la unión, dominio o cooperación de grupos distintos por encima de los lazos de parentesco; y al decir 'coercitivo' alude a la característica fundamental del Estado señalada por Max Weber, quien lo definió como 'la asociación humana que reclama para sí, con éxito, el monopolio legítimo de la fuerza física'. Como quiera que se lo interprete el Estado está relacionado con el poder político y con el control de los excedentes de la producción' Fernando Silva-Santisteban. Desarrollo tecnologico, ideologia y espacios de poder en el Peru antiguo. In: CURATOLA, Marco, SILVA-SANTISTEBAN, Fernando (Eds.). Historia y cultura del Peru. Lima: UL/MN, 1994, pp.296-297.
[62] VARÓN GABAI, Rafael. Curacas y encomenderos; acomodamiento nativo en Huaraz – Siglos XVI y XVII. Lima: P.L. Villanueva, 1980, p.10.
[63] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Op. Cit., 1988a, p.199.
[64] Idem, 1988a, p.183.
[65] Huaca - "o guaca, templo del ídolo o el mismo ídolo"  ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO. Op. Cit., 1988a, p.296.
[66] CABELLO DE VALBOA, Miguel. Miscelânea Antártica. Lima: UNMSM, 1951 [1586], pp.287 e 288.
[67] "Este, llamado Coricancha ('recinto de oro') o Intihuasi ('casa del Sol'), era el más antiguo, el más sagrado y el más rico de todos los templos del Tahuantinsuyu..." CURATOLA et al. Op. Cit., 1994, p.255.
[68] Callpa - "Las fuerças y el poder y las potencias del alma, o cuerpo" GONZALEZ HOLGUIN. Op. Cit., 1989 [1608], p.44.
[69] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO. Op. Cit., 1988a, pp.206-208.
[70] "...estos especialistas fueron llamados por los españoles como 'mercadores'..." Idem, 1988a, p.208.
[71] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, María. Costa peruana prehispánica. 2.ed. Lima: IEP, 1989, p.286.
[72] SALOMON, Frank. Systèmes politiques verticaux aux marches de l’empire inca. Annales; économies, sociétés, civilisations. 33e année, n.5-6, sep-déc, Paris, 1978, p.974.
[73] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO. Op. Cit., 1989, pp.288-289.
[74] "Los artífices gozaron en el incario de una situación particular, y si bien trabajaban para el Estado, sólo lo hacían en sus oficios, sin tomar parte en la mita guerrera o agraria" ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Op. Cit., 1988a, p.212.
[75] "A diferencia de los hábitos europeos, las playas o caletas pertenecían a un determinado ayllu y nadie podía pescar fuera de su proprio y conocido territorio. Tenían los pescadores sus turnos o mitas establecidas para entrar al mar, de ahí que sorprendiera a los españoles el número de hombres dedicados a beber o bailar cuando no pescaban" ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, María. Estructuras políticas y económicas de la costa central del Perú precolombino. Revista Histórica. Tomo XXXI, Lima, 1978b, pp.211-212.
[76] GANZALEZ DE HOLGUIN, Op. Cit., 1989 [1608], p.155.
[77] "La entrada a la mayoría de edad y a la situación de hatun runa se establecía con el matrimonio. Es entonces que la pareja adquíria su lugar en el ayllu, y junto con ello asumía sus responsabilidades" ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Op. Cit., 1988a, p.218.
[78] "De esta manera se nos aclara una vez más el significado prehispánico de la pobreza: el estar físicamente impedido de realizar una actividad para el sustento propio, tanto con respecto a labores personales, como comunitarios" VARON GABAI, Op. Cit.., 1980, pp.24-25.
[79] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Op. Cit., 1988a, p.221.
[80] "Acllacuna. Las mujeres religiosas que estauan en recogimento escogidas para el seruicio de su Dios el Sol..." GANZALEZ HOLGUIN,  Op. Cit., 1989 [1608], p.15.
[81] Aclla Huasi - "casa de escogidas" ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Op. Cit., 1988a, p.293.
[82] "...yurac aclla, siempre de sangre inca y consagradas al culto, siendo una de ellas considerada como la esposa del Sol. Seguíam las huayrur aclla, generalmente las más hermosas muchachas y de entre ellas el Inca escogía a sus esposas secundarias. Las paco aclla se convertían con el tiempo en las esposas de los curacas y jefes a quienes el Inca quería agradar; las yana aclla eran las muchachas que no destacaban por su rango, ni por su belleza y cumplían las funciones de servidoras de las demás. (...) las taqui aclla, elegidas por sus aptitudes de cantoras, ellas tañían tambores y pincullo alegrando las fiestas de la corte" Idem,, 1988a, p.227.
[83] Ibidem., 1988a, p.227.
[84] ESPINOZA SORIANO, Op. Cit., 1990, p.293.
[85] "...Los ayllus se cohesionaban en torno a sus proprias huacas, a sus señores, con ellos se identificaban los hombres del común y no con los grandes, lejanos y temibles soberanos" ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO. Op. Cit., 1988a, p.233.
[86] "La reciprocidad se ejercía, entonces, a través de la mutua prestación de energía humana para la producción comunitaria; a esto llamaron los cronistas ayni, considerándolo como una suerte de ayuda mutua y no como la obligación que era, originada en los lazos del parentesco”  PEASE,  Op. Cit., 1992a, p.60.
[87] "A este tipo de tarea corresponde lo que en la época de los incas se denominaba minka, forma que aún se usa en las comunidades andinas para llevar cabo obras de bien común" Silva-Santisteban,  op. cit.,1994, p.307.
[88] "La mita o prestación de servicios rotativa es un concepto muy andino que se empleó para efectuar trabajos ordenados cíclicamente en un determinado momento. Toda obra contenía la idea de mita, de repetición a su tiempo, de ahí que trabajos muy diferentes fuesen ejecutados bajo el sistema de prestaciones rotativas" ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Op. Cit., 1988a, p.237. Ver também: GARCILASO DE LA VEGA, Op. Cit., 1991, p.261; POLO DE ONDEGARDO, Juan. El mundo de los Incas. Madrid: Historia 16, 1990, p.63; CIEZA DE LEON, Op. Cit., pp.147 e 148; e outros.
[89] WACHTEL, Nathan. Los vencidos; los indios del Peru frente a la conquista española. (1530-1570). Madrid: Alianza Editorial, 1976a, p.97.
[90] SILVA-SANTISTEBAN, Fernando. Desarrollo tecnologico, ideologia y espacios de poder en el Peru antiguo. In: CURATOLA, Marco, SILVA-SANTISTEBAN, Fernando. (eds.)    Historia y cultura del Peru. Lima: Universidad de Lima/Museo de la Nacion, 1994, p.308.
[91] ISBELL, Billie Jean. Parentesco andino y reciprocidad. Kukaq: los que nos aman. In: ALBERTI, Giorgio, MAYER, Enrique. Reciprocidad e intercambio en los Andes peruanos. Lima: IEP, 1974, p.113.
[92] BLAS VALERA In: GARCILASO DE LA VEGA, Op. Cit.,.l.VI, pp.406-408.
[93] "Las tierras eclesiásticas se cultivaban para cosechar maíz y posiblemente otros productos para los sacrificios, así como para alimentar un elevado número de sacerdotes, las aclla y otros religiosos"  MURRA, Op. Cit, 1983, p.71.
[94] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Op. Cit., 1993, p. 178.
[95] POLO DE ONDEGARDO, Juan. Informaciones acerca de la religión e gobierno de los incas. In: URTEAGA, Horacio H. CLDRHP. Lima: Imprenta y Librería San Marti, 1916, p.58.
[96] POLO DE ONDEGARDO, Idem, 1916, p.67.
[97] POLO  DE ONDEGARDO, Ibidem, 1916, p134-136. Ver MURRA, John H. La organización económica del Estado Inca. 3.ed. Lima: IEP, 1983, pp.78-81.
[98] VISITA DE ACARI, Op. Cit., 1973, [1593]
[99] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Maria. La voz parcialidad en su contexto en los      siglos XVI y XVII. In: CASTELLI, Amalia, PAREDES, Marcia Koth, PEASE, Mariana Mould de. Etnohistoria y antropología andina. Lima: Centro de Proyección Cristiana, 1981, p.39; ESPINOZA SORIANO, Waldemar. El fundamento territorial del ayllu serrano. Siglos XV y XVI. In: CASTELLI, Amalia, PAREDE, Marcia Koth, PEASE, Mariana Mould de. Etnohistoria y antropología andina. Lima: Centro de Projección Cristiana, 1981, p.114.
[100] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Maria, REMY, Pilar. Las Visitas a Cajamarca. 1571-72/1578. Lima: IEP, 1992.
[101] MURRA,  Op. Cit., 1975, p.59-115.
[102] PEASE, Op. cit., 1992a, p.100.
[103] MURRA, Op Cit., 1975, p.42.
[104] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Op. Cit., 1977, p.19.
[105] DURAND, José. La transformación social del conquistador. Mexico: Porrúa y Oregón,1953, v.I, Caps. III-VII.
[106] LAS CASAS, 1958, cap. XXII.
[107] ACOSTA, 1954, I, cap.XVI.
[108] GUAMAN POMA DE AYALA, Op. Cit., 1993, p.284.
[109] XEREZ, Francisco de. Verdadera relación de la conquista del Peru. Madrid: Historia 16, 1985, p.162.
[110] MONTESINOS, Fernando de. Memorias antiguas historiales y politicas del Perú. Madrid: Imprenta de Manuel Ginesta, 1882 [1618], cap.XXVIII.
[111] Deus inca.
[112] TITU CUSI YUPANQUI, Inca. Instrucción al licenciado don Lope García de Castro. Lima: PUCP, 1992 [1570].
[113] XEREZ, Op. Cit., 1985, pp.112-113.
[114] Intérprete indígena e confidente dos espanhóis, símbolo da traição à raça.
[115] BENZONI, Girolamo. Historia del Nuevo Mundo. Madrid: Alianza Editorial, 1989,  p.251 e 252.
[116] SANCHO DE HOZ, Pero. La relación de Pero Sancho. Buenos Aires: Editorial Plus Ultra, 1986, p.68.
[117] “...por el término de ‘desestruturación` entendemos la supervivencia de estructuras antiguas o de elementos parciales de ellas, pero fuera del contexto relativamente coherente en el cual se situaban...”  WACHTEL, Nathan, Los vencidos; los indios del Peru frente a la conquista española (1530-1570). Madrid: Alianza Editorial, 1976a, p.135.



OBS: Quem quiser conhecer mais sobre o assunto, leia o livro:
PORTUGAL, Ana Raquel. O ayllu andino nas crônicas quinhentistas. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

Fotos de acervo próprio.